terça-feira, dezembro 16, 2003

Medicina do Trabalho

Dez e meia da manhã. Hora marcada para mais uma sessão de medicina do trabalho. Para que o processo seja mais expedito, a empresa resolveu improvisar duas salas de consultório em salas de reuniões. Assim que bato à porta recebo de uma técnica de saúde, uma caixinha com um frasquinho de plástico lá dentro:
“Vamos recolher um bocadinho de urina, sim ?”. A frase pareceu-me estranha. Vamos recolher não significa uma actividade a dois em que ela recolhesse a minha urina, nem duas actividades a um em que cada um de nós ia com o seu frasquinho recolher a própria urina. “Vamos recolher um bocadinho de urina, sim ?” significa “Eu fico aqui sentada à espera e tu vais recolher o teu bocadinho de urina”.
Até aí tudo bem, pareceu-me a hipótese mais sensata. O problema foi que eu tinha antecipado a necessidade da dita recolha, e portanto desde as 7:30 que não dava alívio à bexiga. Devia precisar de uns 37 frasquinhos daqueles para o que ia na bexiga. Como a senhora não me pareceu muito interessada em dar-me 37 frasquinhos, lá fui eu com a minha dúvida existencial. Que tinha que praticar o urinar interrompido, não havia dúvidas, a questão prendia-se do timing da interrupção. Logo ao início para despachar a questão, lá para o meio para aliviar a pressão incial mas tendo que interromper duas vezes, ou tentar acertar só no fim porque é mais fácil mas correndo o risco de já não ter nada para despejar no frasco. No meio é que está a virtude e vai disto. Interrupção aos 5 segundos de jogo. “Ai Jesus que isto é muito pior do que parece”. Lá consegui. Agora muito devagarinho para dentro do frasco. Isso. Nova interrupção. Não fui feito para isto. E já me estou a contorcer todo. Pousar o frasco no autoclismo, acabar o processo muito mais descansado. Puxar o autoclismo e fechar o frasco.
A alavanca do autoclismo estava mal colocada, e acabo por pregar uma estalada no frasco que caiu aberto no chão. Porra e agora? O chão está uma vergonha, a mulher está lá fora à minha espera e eu não tenho nada para lhe entregar. E não estamos a falar de recolha de esperma em que é suficiente uma desculpa do tipo, “Olhe não consegui nada, paciência, fica para a próxima”. Limpo o chão com as tolhas de papel das mãos e ainda pensei expreme-las para o frasco, mas ainda acusava a presença de detergente ou algo semelhante.
Entra um colega do marketing da empresa. Olha que se lixe, não há-de ser nada:
“Desculpa lá, estou aqui numa embrulhada. Não me emprestas um bocado da tua urina?” A reacção foi mais natural do que eu podia pensar, e a cultura de empresa é um conceito muito mais lato do que eu esperava.
O exame à urina acusou um valor elevadíssimo de ácido úrico e parece que o colega do marketing deve evitar o marisco e a cerveja entre outras dezenas de alimentos. Não sei se lhe dê as boas novas.

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