quinta-feira, outubro 29, 2009

Luz de Presença

O mais velho já tinha tido uma pijama party aqui há uns tempos. Era portanto natural que o do meio reclamasse para si iniciativa semelhante. Era natural também, tendo ele feito anos, juntar os festejos com a dita pijama party. Ora se São Martinho costuma ser destino habitual de fim-de-semana, é com naturalidade que se encara a realização da mesma em tão agradável destino. Se a capacidade das duas viaturas é de oito crianças, e se a da casa é de dez, porque não esgotar o evento? Pois claro. Já agora, ficam uns amigos para convidar e então, toca de juntar mais cinco adultos e sete crianças. Estes último grupo só no Sábado já que a lotação de dormidas esgotou. Falamos portanto de um total de sete adultos e quinze crianças.
Uma vez chegados ao destino, o destino, que prega destas partidas, resolve ditar a inexistência de electricidade. Nada demais caramba. Um telefonema para a EDP e o piquete faria o que tinha a fazer. Uma ida ao agente mais próximo, e uma hora e meia de uma surreal conversa telefónica para a linha de apoio ao cliente da EDP e o resultado mais desejado. Reabastecimento só no dia útil seguinte. A conversa com os vários personagens do Call Center da EDP, dava por si só, direito a um artigo. Não vem a propósito.
Ficou assim eufórico o senhor da loja chinesa com a quantidade de lanternas, pilhas e velas que adquiri naquela tarde. Um balúrdio. Nunca gastei tanto dinheiro no comércio oriental, e não por falta de oportunidade, que já em chinatown andei a comprar relógios armados em bons.
O terreno de São Martinho, a casa na árvore, o slide, as visitas ao cão no fim da estrada de terra batida, digo molhada, digo enlameada, a ida até à baía para jogos de futebol, as estafetas, pareciam garantir o consumo de energia necessário para a tranquilidade a partir das oito da noite. Nada mais errado. Aqueles selvagens têm super poderes e reservas inesgotáveis. A churrascada, as lanternas na cabeça, e as centenas de velas espalhadas, e o tema halloween conferiam uma atmosfera ideal para a brincadeira se prolongar até quase meia noite. Estupores nem vergavam, tampouco cediam. E eis que os adultos de Sábado abandonam o local, arrastando consigo as respectivas sete crianças. Cobardes. Maricas. Traidores. E agora? Oito para dois. Sem luz, os palhaços da EDP não perdem pela demora.
Àquela hora tudo serve para atritos. Quem dorme na parte de cima do beliche, quem dorme no quarto, quem dorme na sala, quem fica com as lanternas, quem dorme com quem. A porcaria das horas também tinham que mudar no fim de semana. "Quem acordar às sete, tem que beber um frasco de atarax e leva com a garrafa na cabeça para perder os sentidos." A ameaça parece funcionar. Só acordaram, todos, às 7:20. A mudança da hora assegurou a existência de luz no exterior.
O pequeno almoço. Inolvidável. Porque o leite é mais quente, porque é mais frio, porque os cerais são diferentes, e as estrelitas têm poucas pontas, porque é mais fiambre, sem manteiga. "Mas quais torradas , meninos ? Vou acender o churrasco para fazer torradas ? Vamos lá a despachar que temos que ir para os cavalos." Festa garantida e só cavaleiros éramos nove. Sete porque dois resolveram não arriscar. Futebol para quem não está em cima do cavalo. "Paiiii. A bola foi parar ali. Podes ir buscar ? Ali, naquele monte de terra … ai não é terra? Cocó de cavalo? Tem graça, daqui parece mesmo terra."
Almoço e mais brincadeira tarde dentro. Muita e intensa. No regresso a Lisboa, baixam guardas e adormecem no carro. Ainda ouvi uma conversa:
- quando morrer vou doar o meu corpo à ciência
- o que é isso ?
- é dar o corpo para eles estudarem
- eu vou ser empalhada e ficar na sala
Distribuídos pelos respectivos pais, o regresso ao mundo electrificado. O importante é que eles se divertiram. E nós também claro.

quinta-feira, outubro 22, 2009

Oito

Claro que tens dias e nos dias tens horas e é assim que te amo. Porque sou de ti nos dias sim e és de mim nos dias não. Com vices com versas.

Parabéns Nhó.

sexta-feira, outubro 16, 2009

Balão

Afinal o menino nunca esteve no balão que viajou quase 100 quilómetros pelos céus de Denver. A porta aberta do cesto foi um mero acaso e a criança estava na garagem de casa. Por ventura no imaginário desta criança os balões não se vestem de prateado, antes de mil e uma cores, e têm a forma de uma bola gigante. Acredito que algumas garagens do lado de lá tenham a magia de alguns sótãos do lado de cá. Cheios de mundos de fantasias onde se pode viajar em balões coloridos guardados por dragões sobrevoando florestas e cenários de aventuras. E se não for de balão, há-de haver viagem com toda a certeza num barco pirata como o que eu comandava no sótão de Tibaldinho. Por causa das arcas velhas de madeira que encerravam tesouros e da varanda, a ponte do meu navio, onde se podiam içar bandeiras e dirigir o leme no meio de tempestades impossíveis. Foi assim que passei a gostar de tempestades e trovoadas, vividas na proa do meu navio, quando lhe rasgavam as velas e ameaçavam o naufrágio. Homens ao mar. Agora o sótão ainda é local previligiado de brincadeiras, e a família de morcegos, que por lá vive, encanta os Marias. Noutras histórias com certeza, noutras fantasias. Se calhar um balão colorido diferente do que a americana criança nunca embarcou.

quinta-feira, outubro 15, 2009

O Brasil SOS ao Brazil

Não tenho nada contra nem a favor da Maitê Proença. Não sou consumidor, admirador da eventual obra, nem tampouco lhe acho muito graça. Não me diverte, não me emociona, não me serve para nada. Anda meio Portugal de honra ofendida porque a senhora resolveu tecer comentários jocosos sobre a inteligência Lusa. Também não me aquece nem arrefece que se indignem, embora ache despropositada a reacção tendo em conta que assistimos de cara alegre a rubricas do estilo "Portugal no seu melhor" onde são constantemente apontados a dedo, casos e mais casos que ilustram a inabilidade de alguns dos nossos conterrâneos.
Este caso não passa de um orgulho que nos falta quando mais precisamos dele e nos sobra quando é perfeitamente acessório. Uma coisa é dizermos mal de nós próprios e sabermos rirmo-nos dos nossos próprios defeitos., Quando alguém resolve fazer o mesmo o caso muda de figura e a nossa honra parece irremediavelmente manchada.
Contudo, nesta onda de indignação, surge uma espuma de tiques xenófobos preocupantes. Sobre os brasileiros em geral, sobre os brasileiros a fazerem piadas com os portugueses, sobre os brasileiros que vivem em Portugal. Conheço alguns, abomino uns quantos, admiro outros mais. Tal e qual como os Portugueses: tantos admiráveis quantos execráveis. Não existe regra e se existisse acreditaria na maioria da excepção. Não tenho paciência para o discurso do povo irmão, nem para a conversa do aqui me sinto em casa, tal como se estivesse no Brasil, tanto mais que a minha avó era de Trás os Montes e eu amo este país. Acontece que esse mesmo Brasil é o país de tantas outras coisas de tantas pessoas que aprendi a admirar e a tomar para referência. Resistamos pois à tentação de tomar partes pelo todo, de olhar só para a porcaria da árvore.
E também caramba, se servir de atenuante, aquela mulher foi namorada do Sássá Mutema e deve ter estado apaixonada pelo Toni Ramos nalgumas 15 novelas. Parecendo que não, essas coisas deixam marcas.

quarta-feira, outubro 14, 2009

Alegria

Segundo o Jornal de Notícias, o bispo da diocese de Leiria e Fátima, quer "peregrinos alegres na visita papal".
Não estranhem portanto se as estradas nacionais e municipais estiverem cheias de peregrinos alegres por alturas de Maio

segunda-feira, outubro 05, 2009

Ei Siiiiilver

Depois de assistir às seis aulas das seis crianças que eu tinha levado e de tentar controlar uma réstia de alergia durante quase duas horas lá chegou a minha vez. Cheguei-me ao cavalo para mais uma aula de volteio e perguntei ao professor se era para subir sozinho para o dorso do animal ou se ele me ajudava. O homem que tinha não sei quantas pessoas à espera só ouviu a palavra sozinho e ficou ali uns segundos com aquela cara de tem-te não caias. Acabou por dizer. Hoje faz a aula sozinho sim senhor. Vai montar a princesa. Ai jesus cristo que aquilo até me soou mal, mas não caí na piada brejeira e fácil. Disse-me como é que se subia para um cavalo com estribos ou lá o que é, ensinou-me como é que se seguram as rédeas, deu-me um espécie de uma vara para a mão "para o pôr a trote" e conduziu-me até ao recinto das aulas. Num repente lá estava eu pela primeira vez em cima da sela, em vez daquelas almofadas das aulas de volteio e de rédeas na mão e a Princesa a passo. "Que raio e agora? Afinal como é que isto trava? Onde é que se acelera ? E para virar, carrega-se onde ? Acudaaaaaam-me". A Princesa estava em modo cavalo automático e andava a passo, atrás dos outros cavalos às voltas naquele rectângulo. Demasiado próxima da cerca para o meu gosto. Volta não volta o estribo roçava nas tábuas e eu estava a ver a minha vida a andar para trás. Quando passava perto dos Marias ouvias frases de incentivo:
"Ganda lata. Nós até temos mais uma aula que ele"
"Já viste a sorte? Eu também quero andar sozinho"
De repente o professor no meio do rectângulo desata aos berros:
"André já te disse para endireitares as costas e colocares os ombros para trás. Tu não ouves o que eu te digo"
Estava eu preparar a minha mais polida resposta, qualquer coisa do estilo "Disse-me mas foi os tomates. Eu nem sei como é que esta merda se trava quero lá saber das costas e dos ombros", quando decido olhar para o pedagogo equestre. Estava de costas para mim a gritar para outro cavaleiro que por um infortúnio também se chama André. Lá continuei no meu modo Cavaco Silva: com as rédeas na mão, sem saber que uso lhes dar e em silêncio absoluto. Foi então que o professor me corrigiu, desta vez era mesmo para mim, porque me chamou Senhor André e disse duas ou três coisas adequadas à minha experiência: "Tem que por as mãos mais para baixo, agarrar as rédeas mais à frente e pode começar a andar a trote."
Fazia sentido porque já tinha três cavaleiros atrás de mim à espera que eu andasse um tudo nada mais depressa, embora eu lhes tenha dito que não fazia a mínima ideia como é que se acelerava.
Mandei uma chibatada no bicho e eis que o estupor desata a trote e aquilo parecia-me já a velocidade da luz, mas com efeitos imediatos no rabo e sabe Deus onde. Volta não volta o professor lá me dava umas indicações até que por fim disse que era para ir passear lá fora até ao portão da quinta e depois ir arrumar a Princesa no picadeiro. Eu e mais outros dois, e mais uma vez acredito que o animal tem piloto automático. Neste passeio estava também o outro André e aproveitei logo para tirar dúvidas sobre pisca-pisca e inversão de marcha. Fiquei a saber que a Princesa tem mau feitio (Confere) e que pode dar coices (Confere), o que me deixou ainda mais descansado ali em cima.
Findo o passeio lá fomos estacionar nas boxes e aprendi a desemparelhar sempre de olho na traseira da dita Princesa. Saí de lá de ego inchado e com a felicidade das crianças. Cheira-me, contudo, que depois disto, e a menos que esteja outra vez uma fila de espera gigante para o volteio, vou voltar para as aulas tipo carrocel à volta do homem. Tomara que não.
Da próxima vez queria montar a Pamela (Panela na versão do António Maria) - é mais elegante e tem melhor feitio que a Princesa.