quinta-feira, agosto 30, 2007

Este...

blog torna-se hoje e oficialmente um blog de um quarentão. Desculpem a baba e os posts repetidos. Não tarda começo a falar sobre o despiste do cancro da próstata.

quarta-feira, agosto 29, 2007

Fim

Foi o corpo que o carregou até a casa. Na sua vontade, nunca ali estaria, antes noutro qualquer local onde pudesse expurgar a dor que sentia. A casa está cheia de armadilhas. Em cada canto, cada cadeira, cada lugar do sofá, cada quarto das crianças, cada moldura, a marca de uma presença que já não é. Aquele é o ponto de partida para reaprender tudo de novo, e no entanto, nada se conjuga com o início de algo. Tudo lhe surge abruptamente amputado de vida, sem remédio, sem sentido, sem vontade. Nem o tempo parece ter a força suficiente para alguma vez lhe acalmar a agonia.
Nunca acreditou no fim. Em cada passo, o chão a esvair-se sem o deixar respirar, de cada vez que se erguia, um outro rombo o deitava por terra. Caramba, um homem deve ter direito a um milagre por vida, e ele estava disposto a gastá-lo naquela altura.
Puta e cruel doença, deve ter-te dado um gozo brutal. O que é que gostaste mais, hem ? Foram as dores com que lhe minaste o corpo ? Foram as três miúdas sem mãe ? Foi a morfina ? A quimioterapia ? Qual foi o teu gozo, cabra de merda ? É o desespero que te alimenta não é ? É o desespero. Há-de chegar o teu dia.
Pedir ajuda é um sinal de inteligência, e ele, que é um homem genericamente inteligente pediu. Não sei o peso que carrega, nem lhe imagino a dimensão, mas eu seguro daquele lado, e outros há que também ajudam. Muitos ao que sei. De alguma forma o peso há-de aliviar, de alguma forma. E o tempo ...
Deixa lá a miúda mandar uns sms’s de desespero, tenho a certeza que ela acaba por as ler.

sexta-feira, agosto 24, 2007

Hoje à noite

... queria ter uma conversinha contigo sobre a nossa casa de banho. Estou um bocado farto, estava a pensar remodelá-la

Mc Lento

Sábado à noite mesmo antes do regresso a Lisboa. Nós os cinco mais a Catarina e as filhas (primas dos Marias), companhia habitual de férias. Abençoadinhas que trazem, além da picanha para várias refeições, uma pachorra invulgar para os meus filhos.
Vamos ao Mc Donalds de Albufeira, disfarçar a pressa de uma refeição com comida de plástico.
A Ana fica com os menores na esplanada e eu a Catarina tratamos da aquisição. Filas até à porta. Estupor do Murphy tirou a noite para me chatear na escolha da fila. Meia hora de fila com os clientes a sairem atendidos a conta gotas. O empregado da caixa, não parecia estar a atender, antes contava moedas. Quem atendia era um outro que de quando em vez lá aparecia para fazer uma pergunta ao cliente e voltava a recolher à cozinha. Reparo que em dez minutos, só saiu um cliente com dois Sundaes de caramelo e que a próxima pessoa está longe de estar atendida. Peço licença e salto para dentro do balcão:
- Desculpe, pode-me explicar o que está a acontecer nesta fila? Como é que em dez minutos, com fila até à porta a única coisa que saiu foram dois Sundaes de caramelo.
- Eu não estou a atender. Estou aqui a ...
- Eu já percebi que não está a entender, chame a pessoa que está a atender se faz favor.
Chega uma miúda com uma farda diferenciadora.
- Boa noite.
- Boa noite, gostava que me explicasse o que se passa nesta fila. Estão 20 pessoas só nesta fila, e nos últimos dez minutos, o único pedido satisfeito, foram dois Sundaes de chocolate. Minto, de caramelo. Vocês têm níveis de serviço que são obrigados a cumprir e segundo sei (não sabia nada) é suposto que em média saia um cliente atendido em cada três minutos. Explique-me se faz favor o que é que se está aqui a passar.
- Está muita gente na loja, demora mais um bocadinho.
- Está muita gente na loja porque não estão a cumprir com o estipulado. Repare nas mesas que estão vazias, ou com pessoas a guardar mesa. Assim é fácil ter a loja cheia. Tenho cinco crianças lá fora, há mais de meia hora e ainda tenho cinco pessoas à minha frente. Faça o favor de fazer esta fila segundo o nível de serviço que são obrigados a cumprir.
- Diga-me o que quer, que eu atendo já o seu pedido.
(Aqui passei para os berros)
- Está a dizer que me passa à frente destas pessoas que estão há mais tempo à espera ? Não é isso que quero, quero é que cumpram o que está definido. Três minutos por pedido. Daqui um quarto de hora quero estar atendido na minha vez.
Num repente aquela caixa começou a atender como raras vezes vi, e em menos de 10 minutos já era o primeiro da fila. Ainda fui cumprimentado por alguns dos meus parceiros de fila : “Bem jogado”. A Ana apareceu no fim do diálogo, porque a Catarina lhe telefonou a denunciar-me:
- O teu marido, acabou de passar para o lado de dentro do balcão e está a fazer um escândalo.
(que exagero)
Alguém sabe se existe algum nível de serviço definido para o atendimento no Mc Donalds? De repente passei a achar interessante ter acesso a essa informação.

sexta-feira, agosto 17, 2007

Bloco de Notas

Nas férias, além de me transportar para outro local, transporto-me para outras rotinas. Pomposamente chamam-lhe “mudança de ares”. Servem para muscular os sentidos, habituá-los a novos estímulos ou rever velhos conhecidos. Reencontro outros sabores, odores, sons, texturas, luzes cores e formas. Às vezes apanham-me em falso, outras vezes coincidem com um padrão há tanto tempo gravado na memória. A memória olfactiva é a que mais me surpreende. Num café, lembrei-me de cada detalhe do cheiro da casa do Carlos, meu amigo durante a preparatória.
O próprio conhecimento muda de rotina. De ares portanto. Se hoje não sei quando é a “praia mar e a baixa mar”, há uns dias sabia. Era importante para os levar aos caranguejos com os novos camaroeiros. Se são camaroeiros, porque é que não os levava aos camarões ? Não sei a resposta para esta pergunta.
Viajei de combóio até ao Algarve. Passar a ponte, ter tempo para leituras e para as conversas dos outros. Não ia mal, de quando em vez, ir de transportes públicos trabalhar. Abre brechas para outros prazeres.
Fiz um escândalo no McDonalds, não me orgulho nem me arrependo, mas fui felicitado pelos meus momentâneos parceiros de fila. Hei-de escrever os detalhes.
Durante estes tempos, sempre a mesma aflição. Preciso de um bloco de notas para apontar isto. Uma frase, uma memória, uma luz, uma outra frase, um riso ou uma irritação. Nunca andei com um bloco de notas e senti-lhe sempre a falta. Resta-me guardar o que quero na cabeça, mas nesta idade, torna-se difícil.
A propósito de idade, e isto é um aviso que eu espero prematuro:
O primeiro anormal que se lembrar de, num transporte público, se levantar para me oferecer o lugar sentado, leva com a bengala nos cornos.