quinta-feira, novembro 22, 2007

A culpa não é nossa. É deles


Não é a primeira vez que a conversa surge como pano de fundo das horas de almoço. A culpa foi minha, quando relatei com indignação um comentário xenófobo sobre os ciganos. Atropelaram-me com histórias de ciganos. Nas bombas de gasolina, nos centros de saúde, nos cafés, nos hospitais, nas lojas, nos acampamentos, nas filas de espera, nas escolas e na rua. Ranhosos, violentos, desrespeitadores, malcriados, porcos e ameaçadores. Aparentemente, o único lugar em que se comportam de forma quase aceitável, é atrás duma banca numa feira. A ideia que fica é que a ciganagem anda para aí a fazer-se de vítima e nada faz para trilhar o caminho da sã e pacata convivência.
As histórias batem certo com o que conheço, a discriminação também, tendemos a perder os brandos costumes quando se trata da raça cigana, o argumento que se segue é qualquer coisa do estilo “Neste caso mais vale estar de brandos costumes ou ainda levamos uma facada”.
Começo a achar que se trata de um daqueles casos de saber quem nasceu primeiro. Se o ovo se a galinha. Verifico que se trata de uns ovos e de umas galinhas com alguns séculos de existência:

Reinado de D. João III
1526 (Alvará de 3 de Março) «que não entrem ciganos no reino e saiam os que nele estiverem»

1538 (Lei XXIV) «sejem presos e publicamente açoutados, com baraço e pregão» «[à 2ª vez] outra vez açoitada publicamente... e perderá todo o móvel que tiver»

1557 (Lei de 17 de Agosto) Acrescenta a pena das galés

Reinado de D. Sebastião
1573 (Alvará de 14 de Março) Novo prazo de 30 dias para que saiam; senão, açoites às mulheres, galés aos homens; declara caducas as licenças de permanência anteriormente concedidas

1574 (Despacho sobre requerimento) Comutação de 5 anos nas galés por cinco anos no Brasil (a pedido do próprio)

Reinado de D. Henrique
1579 (Alvará de 11 de Abril) Concede novas licenças aos que «vivem bem e que trabalham e não são prejudiciais»; os nómadas, que «saiam do Reino dentro de trinta dias» ou «açoitado publicamente e degredado para sempre para as galés»

Reinado de D. Filipe I
1592 (Lei de 28 de Agosto) Dentro de 4 meses, se andassem em ranchos ou quadrilhas: executar com pena de morte, «sem apelação nem agravo»

A história continua até aos dias de hoje. Podia até ser algo como “Que sejam presos, impedidos de frequentar locais públicos que não feiras, ou em alternativa que se tornem jogadores do Futebol Clube do Porto”

As histórias ilustram uma difícil convivência. Mas caramba, já aprendi a conviver com tantas coisas que colidem com a minha cadeia de valores. Prefiro sempre o princípio da Presunção de Inocência. Não gosto de preconceitos, embora conviva pacificamente com quem os tem.

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