terça-feira, junho 07, 2005

A Cidade

... estive parado no trânsito. Por alguma razão, um acidente à tardinha do lado de lá da ponte, parou o trânsito na cidade. Lembrei-me de um programa na TSF "O homem que gostava de cidades". Não sei se é este o nome do programa, mas lembro-me das conversas entre dois cumplices do urbanismo, que passeavam pela cidade. Falavam das geometrias, das histórias e da vida das pessoas. Dos silêncios, dos desertos urbanos e da solidão. O homem que gostava de cidades foi um bom programa.
A rua em que parei não é direita, antes tem geometria variável e desliza pela colina aos ésses. Bestial para conduzir. Tangente ao bairro em que cresci. Um bairro de paralelas e perpendiculares, nada dessas maluqueiras de serpentear colina abaixo, muito certinho e quase sempre plano, a contrastar com os artistas, os filósofos e os doutores que por lá moram. Agora é um bairro da moda, franchizado e a mercearia do sr António há muto que já nem existe.
A rua em que parei está muito igual ao que sempre foi. Vem quase do rio e só pára nos arcos do aqueduto, tem uma estação de caminho de ferro, depois vêm muros longos e casas baixinhas com roupa pendurada para a rua, conversas de vizinhas balofas à janela, tem a meia laranja vigilante do casal ventoso, ainda se descobre a fonte, o frenesim e a miséria. Quando passa pelo meu bairro alinda-se e ganha espaço. Logo a seguir ao prédio roxo da TV Marcelo retoma a forma estreita e curva, a esquadra já não existe e não sei porque se chamava dos terramotos, no fim divide-se em duas, uma por baixo de cada arco.
Nunca passei para lá desta rua. Para mim era a fronteira áté onde podia ir. O que estava do lado de lá, só sabia pelas histórias dos meus colegas de primária e do ciclo. Tinha uma certa inveja quando me contavam que percorriam todo o túnel do combóio a correr. Nunca descobri se era verdade, o Paulo era um bocado exagerado e o Fernando não era flor que se cheirasse, mas que me arrepiava com a aventura, isso arrepiava. A Dona Inês, a minha professora primária, de sotaque Açoreano, provavelmente também separava os dois lados da rua. Os meninos do lado de cima e os meninos do lado de baixo.

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