(não ainda não sou eu)
Dez anos mais velha do que eu, a RTP festejou o seu quinquagésimo aniversário com uma gala. Um desfile de memórias, a única máquina do tempo de que dispomos. Às tantas, todas as músicas que nos anunciavam a hora de dormir. “Meninos rabinos, mas muito asseados, a cara e os dentes lavados ...”. Legitimamente, Catarina Furtado revela que só se lembra de metade das músicas. A moça ainda é novinha e dificilmente se lembraria de algo antes do Chico Escuro. Já o Malato, que é mais velho que eu, diz lembrar-se apenas de dois terços. Não pode ser, a menos que esteja com falta de memória, ou que fosse para a cama antes da hora estipulada pela direcção de programação. Eu lembrei-me de todos. E ainda do Vasco Granja, e do engenheiro Sousa Veloso, da culinária, dos telejornais e das músicas do Festival que envolviam reuniões de amigos para dar votos às canções e acompanhar freneticamente os pontos dados por cada distrito:
“Boa noite a todos. Aqui vai a votação de Bragança.
Canção número nove “Meu amor de céu laranja” um ponto,
Canção número seis “Os meus dias são melhores que as tuas noites” dois pontos...”
As primeiras novelas e as séries infantis. “Os pequenos vagabundos” que saiu em DVD e que já estão na prateleira da sala, e os “Dois anos de férias” dos quais nunca mais ouvi falar e que quase ninguém se lembra. A Ana lembra-se de uma série de dois meninos e uma pedra que encontraram, e que ficavam com a pedra à vez , e para a conquistar tinham de fazer uma tarefa qualquer (eu acho que esta série nunca existiu e que se tratam de delírios). Lembrei-me agora de uma outra série “Os quatro do blindado e o seu cão” e uma outra passada numa prisão alemã que descrevia tentativas de fuga.
A verdade é que, por enquanto e entre as várias estações, só a RTP consegue representar a nossa memória colectiva. E consegue-o também porque, durante muitos anos, cada nova série, cada sessão dos jogos sem fronteiras, cada novela, cada concurso, cada festival, era um evento nacional seguido como se de uma final do campeonato do mundo se tratasse.
Daqui a quarenta anos, sinais dos tempos, as memórias colectivas, hão-de ser um tudo nada diferentes “Lembram-se daquela novela, duma menina cheia de flores com pronuncia do norte, e daquela outra dos meninos do liceu que tinham uma banda de música . E quem se lembra daqueles concursos onde as pessoas viviam numa casa cheias de câmaras e eram expulsas até ficar só um. E havia um desses concursos que era com umas miúdas muita giras, cheias de curvas, mas muito ignorantes, e eles eram muito cultos e assim para o feio”. Que memória televisiva espera os nossos filhos ? Se calhar o melhor é tratar de lhes enriquecer outras memórias, porque com a televisiva, não hão-de ter muitos motivos para se embevecerem com uma gala de 50 anos.
Sem comentários:
Enviar um comentário