quarta-feira, setembro 27, 2006

Inquérito

O estádio da Luz não é propriamente o ponto de encontro da mais fina flor da cultura portuguesa. Não é porque não é e não é porque também não é suposto ser. A heterogeneidade faz parte da nação benfiquista, e o estádio da Luz é a pátria dessa imensa nação. Não se estranha portanto a proliferação de figuras ímpares, também conhecidos por cromos difíceis. Em seis milhões, é muito alta a probabilidade de existirem cromos difíceis, aves raras, enfim, autênticas peças de colecção. Foi uma destas que se sentou atrás dos nossos lugares.
A rapariga atrás de nós, que vinha com os pais e tinha uns 20 anos, guinchava como um porco na matança e chamava nomes a tudo o que no relvado mexia. A bola, o árbitro, os jogadores de encarnado, os jogadores de branco, o Cristiano Ronaldo, a Merche, as mães dos jogadores e dos árbitros foram todas saudadas com rasgados elogios por parte da donzela que esperneava aos guinchos atrás de nós. Os pais da moça não se manifestavam com tanto afinco, mas a performance da jovem adulta não lhes causava espanto. “É uma menina com muita vida” deve ser a frase que lhes percorre o pensamento. Não tenho que os condenar, gosto pouco de interferir na educação que os outros dão aos filhos. Se fosse meu filho levava um tabefe que ia parar lá abaixo para poder insultar o árbitro cara a cara.
Ao meu lado, a meio da primeira parte, sentou-se um jovem casal com muito bom aspecto. Até achei esquisito. Nisto o rapaz vira-se para mim, pede desculpa e diz-me, apontando para diferentes zonas do relvado
“Pode-me só ajudar? Quim, Alcides, Luisão, Petit, Simão, Paulo Jorge, Nuno Gomes. Quem mais está a jogar ?”
Eu nem sabia que aqueles eram os nomes dos vermelhinhos lá em baixo, com a excepção do Luisão que é gigante e do Nuno Gomes que tem trejeitos de gaja. Como é que lhe ia fornecer a informação que me pedia ? Que tristeza, preparo-me tão mal para estes eventos. Esquivei-me com o que tinha ouvido no rádio à ida para o estádio
“Pois não cheguei a tempo de ver o alinhamento, mas sei que o italiano pequenino não está a jogar de início e que aquele que foi acusado de dopping também não.” O rapaz olhou para mim com um ar desconfiado, mas continuou o inquérito “E quem é o árbitro?”. Mau mau Maria. Quem é o árbitro ??  Sei lá eu quem é o árbitro. Nem quero saber. Eu nunca conheci nenhum nome de árbitro a não ser aquele careca  italiano que aparece na capa do Pro Evolution Soccer 3 – o Molina , ia mesmo saber o nome do árbitro. “Não faço ideia, mas a miúda aqui atrás deve saber porque está farta de insultar a mãe dele”. Acabei por só dizer que não fazia ideia.  Voltou a olhar-me com estranheza. Curiosamente não me fez mais perguntas até ao final do encontro mas deve ter achado que eu era um Sportinguista infiltrado que tinha conseguido um bilhete para aquele jogo nalgum concurso de rádio. Não penso, tão cedo, voltar ao futebol, mas quando o fizer, juro que vou saber tudo de uma ponta à outra. Até os signos e ascendentes da mãe do quarto árbitro eu hei-de decorar.

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