De passagem pelo aterro sanitário televisivo, entra-me sala dentro a quinta das celebridades. Gonçalo da Câmara Pereira, mostrava-se alterado, distante do habitual ar folião, voz alterada e expressão de “caso mal resolvido”. Pensei tratar-se da difícil digestão de mais uma expulsão, ao que sei de Elsa Raposo, na véspera. Até que perante a frase “Desculpem mas a mim o Cravo Vermelho dá-me vómitos.”, descobri que a indigestão do fadista é bem mais antiga. Tem trinta e um anos. Ele contextualizou: “Eu fiz o 25 de Abril, um dos meus irmão estava na coluna do Salgueiro Maia, e eu estava no quartel. Depois do 25 de Abril fomos para Angola e quando regressámos, a minha família tinha sido expropriada das herdades. Ficámos sem nada, até fome passámos. Por isso, a mim, o Cravo Vermelho dá-me vómitos”. A revolta do fadista foi provocada pela distribuição de cravos na noite de 24 de Abril aos concorrentes de tão democrático concurso.
Sou o primeiro a admitir que o período pós revolucionário é rico em excessos, resultado óbvio da contenção de décadas, das ideias reprimidas e perseguidas, da imensa (mas nunca demais) liberdade reconquistada. E dos excessos, surgem os contra excessos, também em formatos pouco recomendáveis aos nossos sensatos olhos.
Não arranjo justificação para muito do que se fez em nome da Revolução de Abril. Acho tacanha, redutora e, por vezes, muito conveniente, a confusão entre a conquista da liberdade e os excessos cometidos em nome dessa liberdade. È mesquinho, e no mínimo, desinteligente.
Aproveito para radicalizar o raciocínio.
Jesus Cristo morreu pelos homens, por todos nós. Trouxe ao mundo uma boa nova, trouxe esperança e ensinou-nos o amor a Deus e aos Homens. Em nome de Jesus Cristo, da fé e da Igreja Católica, já se cometeram todo o tipo de atrocidades. O princípio básico mantém-se o mesmo: amar a Deus e ao próximo. Em nome deste amor já se guerreou, já se colonizaram continentes sem qualquer respeito por quem neles já habitava, já se colocou o sol na órbita da terra, já se queimaram os pensamentos contraditórios. Não acredito que o fadista sinta vómitos perante qualquer símbolo religioso, nem acho que o deva fazer. O essencial é a revolução no coração dos homens trazida por Jesus Cristo. O que se fez em nome dessa revolução deve ser objecto de reflexão para que não se repitam os mesmos erros. Com Abril, e com os Cravos Vermelhos a separação é exactamente pelo mesmo tracejado.
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