terça-feira, maio 29, 2012

Faites vos jeux

Motivo até para canção, o estigma do marido das outras cheio de virtudes, em contra-ciclo com a realidade doméstica. Com os filhos passa-se tanto o mesmo. No recato do nosso lar, apontamos os filhos dos outros como o modelo a seguir. Porque estudam, porque comem com modos, porque têm notas fantásticas, porque falam a toda a gente quando chegam a casa de alguém, porque não embirram com os irmãos, porque não fazem parcas figuras de crianças mimadas, porque não interrompem, porque pedem licença e raramente arrotam e nunca se peidam. E porque não passam a vida agarrados à porcaria das consolas. Junto a terceiros, mães e pais, sobre os próprios filhos, publicitam de ego inchado, as qualidades dos seus filhos modelos: "os meus filhos ? Devo ter sido bafejado pela sorte, mas os meus filhos são estudiosos, não que precisem que são super inteligentes, mas estudam tanto que acabam por tirar notas dignas do quadro de honra. E, modéstia à parte, são educadíssimos. Sabem estar à mesa e assim que chegam a casa de alguém, não deixam de falar a quem quer que seja. Têm as suas coisa de criança, já se vê, mas dão-se lindamente uns com os outros. Nunca vi irmãos assim. Nunca foram de fazer birras e pedem sempre licença. Gases não têm nunca. Puns e arrotos são uma espécie em extinção lá em casa, não fosse a empregada. Divertem-se imenso a fazer desporto e a jogar Scrabble e batalha naval. Confesso, os meus Marias, estão longe de ser modelos de comportamento. Viciados em consolas, discutem por dá cá aquela palha e mesmo o mais democrático dos jogos de consola, acaba com um deles a atirar o comando à cabeça de outro. Berros e bofetão acontecem com frequência e em jogos de tabuleiro a coisa ainda é pior: no Monopólio, à segunda volta já voam casas e hotéis e se alguém compra o Rossio o tabuleiro voa. Quem ganha faz pouco de quem perde e quem perde chora desalmadamente. Esta ideia da terapia de substituição da consola por jogos de tabuleiro está a revelar-se pouco eficaz. Excepto a partir de Domingo passado que o mais velho foi à loja dos chineses comprar um conjunto de fichas de poker e baralho de cartas. Com direito a feltro verde e tudo. Tenho uma zona da casa transformada em casino ilegal e as discussões acabaram. Nem para escolher o Dealer eles discutem. Fazem apostas e jogam alegremente, com alguns entusiasmos sempre que arrecadam pequenas fortunas. Os filhos dos outros jogam Cluedo e Scrabble enquanto os meus jogam Black Jack e Poker. A única preocupação é como hão-de levar o jogo para a Disney, uma vez que é ilegal e que envolve controlo alfandegário. O que é que se segue ? Uma plantação de droga no jardim vertical da cozinha ? Uma casa de alterne no escritório ? Só ainda não percebi se para lavar o dinheiro vão usar a máquina da loiça ou da roupa. Se alguém da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens tiver o infortúnio de ler este post, desde já aviso que se trata de ficção. Agora vou lá dentro comprar umas fichas que hoje sinto-me com sorte.

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