terça-feira, abril 07, 2009

Lembro-me

Apego-me a memórias. Tantas vezes nem as sei, quando as cristalizo, tenho-as como se têm memórias e guardo-as como se guardam memórias. Á mão de semear. Não as faço cabides para pendurar as roupas do presente, ou para o ludibriar em alusões ao que já foi, não faço dias em sucessões geométricas. Quando lhes dou a vez, é a pedido dos sentidos. Sempre porque qualquer coisa ou por todas as coisas, os sentidos, as cores, os sabores, os cheiros, os sons. Lembro-me de cheiros quando os revisito sem querer e com eles vêm todos os sentidos. Lembro-me do cheiro da cantina do colégio em forma de castelo, e depois lembro-me das mesas, dos pratos, dos copos, dos azulejos e do elevador. Lembro-me do cheiro do soalho do ginásio e com ele lembro-me da ardósia, das cordas, das argolas, dos boques, dos plintos, e da sensação do peso do corpo sobre as mãos nas paralelas. Lembro-me dos sons, sons ordenados em cinco linhas, canções, e quando me lembro de canções vem tudo ao arrepio com pressa de chegar. Lembro-me do primeiro disco ouvido sem contar lhe contar as vezes, e de o ouvir ao vivo. O homem envergonhado lá ao fundo em cima do palco e a multidão com o dobro do meu tamanho, a voz imensa e a poeira. Lembro-me da poeira que me enchia as mãos e a roupa e do sorriso que me enchia a cara de o ouvir e quase o ver lá ao fundo, e o sono que já tinha. Lembro-me das canções. A memória das canções não é bem como a dos cheiros, ou a dos sabores, ou a das cores. É imensa.

8 comentários:

Iris Restolho disse...

Como qualquer memória que nos pica como um alfinete: uma dor aguda e pequena mas que nos faz siplesmente recordar que sentimos.

Todas as memórias são enormes por isso mesmo! Não são?!

Anónimo disse...

Existem memórias que são deliciosas... mesmo que por vezes nos magoem...
Fazem parte da nossa história e daquilo que somos.

joquitas

ruth ministro disse...

E é isto que somos...

Sara disse...

Lembro-me como tu... do cheiro da cvantina das minhas escolas e do cheiro do ginásio... Lembro-me de sentir, ver... É também lembrarmo-nos de nós!

XS disse...

As smemórias são como um vestido que guardamos num armarito escondido lá de casa. Mais tarde ou mais cedo, vamos usá-lo...

Rabisco disse...

As memórias são todas imensas, não é mesmo?
Começamos na memória de algo e terminamos na memória de outra coisa que agora já nem lembramos...ou então nem terminamos e continuamos, saltitando de memória em memória, fazendo delas também o presente dos nossos dias...
Gosto desta caixa de costura, logo eu que nunca tive grande jeito para costurar...
Parece que é desta que vou seguir algumas dicas de costura de alguém...aliás, já estou a seguir!
Abraço

Daniel C.da Silva disse...

Uma boa descoberta, este blogue. escreves bem e consegues transmitir o que sentes (também) com alguma poesia.

Páscoa feliz.

Abraço

Daniel

filha do administrador disse...

espectáculo
um texto muito giro, que me fez pensar nas minhas memórias, tenho umas que me martelam a cabeça e chego a acordar com elas a dançar, tenho outras que são só o principio da história, tenho outras que até tenho medo de recordar não vão elas gastar-se e eu deixar de me lembrar :D