Como é costume acontecer por esta altura, o meu pai fez anos, é uma mania que ele tem desde criança esta história de fazer anos mesmo coladinho ao Natal. Acontece que desta vez, por se tratar de um daqueles números redondos, múltiplos de dez, teve direito a uma imensa festa de amigos e famílias. Reencontrar pessoas que já não se vê há tantos anos, primos que mal nos lembramos, histórias das nossas vidas. Também teve direito a discursos, de sobrinhos, filhos e netos e como sempre, quando se discursa, falta-nos a serenidade e o tempo que nos oferece a escrita, e quando discursei falei sobre um rascunho de um post que haveria de colocar aqui:
Gosto Tanto de Cinema
Gosto do cinema pronto a consumir, como gosto dos outros cinemas, de outros lados, de outros autores, de outros sotaques de outras cores e luzes.
O meu pai tem responsabilidade nisto. Acho que foi no cinema Europa, ali mesmo ao lado de casa, no intervalo do filme. “André tenta perceber o que nos mostra o filme para lá do que o filme nos mostra.”
Aquilo soou-me a conversa da treta. “Lá vem este gajo com merdas estranhas. O que é que ele quer dizer com isto ? O que é isto de ver para lá do filme ?”
Ao longo dos anos, e de quando em vez, a frase vinha-me à cabeça enquanto assistia a um filme e casava com o que eu pensava enquanto via o filme. Para lá do filme.
Um dia levou-me a ver as filmagens de anúncios. Um anúncio de Sugus no Portugal dos pequeninos. Dois dias de 40 graus a filmar miúdos armados em gente grande, com a banda a passar. Sempre a mesma música, “SUGUS de fruta tanto sabor”. O que eu porém cantarolava durante esses dias, era sempre Chico. Para mim, aquele anúncio merecia a Banda do Chico:
“A moça triste que vivia calada sorriu
A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor”
Acabei por trabalhar durante alguns verões numa produtora de filmes publicitários. Definitivamente eu gostava daquilo. Dos reflectores, dos carris, das claquetes, das luzes, da fita, das pessoas, das girafas, das gruas, dos mini brut, das pancadas das pessoas. Aqueles gajos dos 35 mm têm muitas pancas, mas têm muita piada. São chatos, minuciosos, geniais, divertidos, mal criados, cuidadosos e sobretudo loucos. Quase todos sem excepção, cultivam uma saudável dose de loucura. Se assim não é, era assim que os via dos meus treze anos.
Para além do cinema, do Chico, do Jazz, foi sobretudo ver o filme para lá do filme que o meu pai me ensinou. Tentar chegar além do óbvio. Acho que foi isso que ele quis dizer. Parabéns Manecas.
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