sexta-feira, junho 09, 2006

Mimos

- Então o Sr nega que na sua instituição sejam por vezes utilizadas formas violentas de repreender as crianças ?
- Isto aqui, meu amigo, não funciona como uma instituição. Isto é uma família. Onde as crianças, recebem muito amor. Naturalmente, como em qualquer lar, de vez em quando dão-se uns açoites. Mas ainda agora estou aqui com esta criancinha ao colo a dar-lhe beijinhos e abraços. Isto é Amor meu amigo. Passe lá na sua rádio que aqui as crianças crescem com amor. “Agora sai daqui, vai ter com os mais velhinhos que estão ali a jogar à bola”
- Mas há acusações graves de maus tratos a crianças verificadas nesta instituição.
- Maus tratos ??? Pegar numa criança ao colo e dar-lhe abraços e beijos é mau trato ?
- Mas após uma auditoria ...
- Mas quais auditoria quais o caraças. Esses gajos vieram aqui e não verificaram nada. Aliás se voltam a pôr os pés aqui dentro, levam uma tareia de pau de marmeleiro que até saltam. “Já te disse para saíres daqui miúdo, vai lá ter com os outros da bola. Raio do puto.”
- Então o senhor não confirma os maus tratos.
- Ó meu amigo, conforme lhe disse, de vez em quando é necessário castigar as crianças. Muito raramente. Tavez um açoite. Sabe como são as crianças. Parece que há dias em que só lá vão à porrada. Como este aqui. Cabrão do gaiato, não me deixa em paz. “Anda cá que já vais levar um chuto nos dentes. Toma que é para aprenderes. Vê lá agora se ainda te apetece chatear o senhor entrevistador?”
- Mas o senhor acabou de mandar um pontapé na cabeça de uma criança !!!
- Lá estão estes jornalistas a exagerar. Eu agora, com o Mundial, de vez em quando tenho este tique dos remates. E quem meteu a cabeça aqui mesmo ao alcance foi o menino. Coitadinho ali a sangrar. Já se sabe que isto do futebol é desporto para homens. Se isto fosse à séria, era falta a meu favor, punível com livre indirecto. O rapaz fez jogo perigoso.
- Mas eu vi o senhor a dar-lhe um pontapé.
- Ai isso é que não viu. O senhor nos tempos livres deve ser daqueles árbitros aldrabões. Aqueles gatunos. Andam há décadas a explorar o adepto e a viajar à borla com tudo pago pelos dirigentes. Você é um malandro.
- Então o miúdo está ali desmaiado a sangrar...
- Ai ele é assim mesmo. De um momento para o outro, adormece. Estas crianças quando vêm para cá trazem muitos problemas. Ainda onteonte estava ali à minha volta há uns bons dez minutos enquanto eu regava a minhas plantinhas, e de um instante para o outro adormeceu com a cabeça mesmo debaixo do regador. E o que ele sangra. Até já lhe disse que ele devia consultar um médico. Jorra sangue como se não houvesse amanhã. Tanta gente a precisar de sangue e aquele infeliz a desperdiçá-lo daquela maneira. São muito carentes. Fazem tudo para chamar a atenção.
- Mas não será melhor levá-lo ao posto?
- Ai também já ouviu falar da história do poste? É outra invenção, que não sei como apareceu. Não temos nenhum poste onde penduramos os meninos.
- Mas olhe que ele não está a acordar. Não tem uma enfermaria.
- Está a fazer fita senhor. Quer ver como ele acorda ? Ouve lá ó miúdo, se não acordas já, ficas o fim de semana no poste... Tá a ver como acordou ? Lá vai ele a correr agarradinho à cabecinha. Tem aquela mania o raça do fedelho.
- Afinal sempre existe um poste...
- É o poste da baliza. Estes miúdos gostam muito de futebol, mas ninguém quer ir à baliza. Eu naquela idade também era assim. Queria era marcar golos. Assim que se fala de ficarem à baliza fogem a sete pés. São vivaços os estafermos dos putos.
- O senhor acha que bater numa criança e amarrá-las a um poste são as atitudes correctas para educar crianças ?
- Oh homem. Olhe que já me está a fazer perder a paciência. Está aqui, está com o microfone encastrado nas cordas vocais, nunca mais entrevista ninguém. Ponha a andar daqui para fora. Olhe que ainda nos falta um guarda redes. Vá lá ver se não vais tu para o poste. Está um gajo aqui a dar conversa a estes palerma. Toma lá um estaladão seu desenvergonhado e põe-te a andar.

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