O estado de alerta cá de casa subiu para laranja, o segundo
mais grave numa escala de quatro níveis. Numa manhã como todas as outras desta
quarentena, a vizinha de baixo, médica, resolve telefonar para informar sobre o
resultado do seu teste de covid-19: positivo. O bicho chegou ao condomínio. É
preciso colocar o prédio em isolamento sanitário, pelo menos o 1º direito. Organizámo-nos
em equipas. Equipas de um que é outra maneira de dizer cada um fez a sua coisa.
A rainha saiu de luvas, máscara improvisada a tapar cabelo boca
e nariz, os panos todos de limpeza, esfregona e balde com uma solução que
envolvia todos os detergentes e desinfectantes que encontrou (lixívia, vim
verde, pronto madeiras escuras, fairy limão, álcool, champô - anti pulgas e
esfoliante da sephora). Aquele balde da esfregona fazia inveja a muito radical
muçulmano e estava prestes a explodir a qualquer momento. Ainda por cima só se
lhe viam os olhinhos, se aparecesse assim num posto de controlo israelita era
abatida num segundo. Dirigiu-se às áreas comuns da frente do prédio e foi tudo
a eito… escadas, corrimões, manípulos de portas, caixas do correio, contadores
e interruptores de luz e de abertura de porta. Ainda se colocou a hipótese de
pregar umas tábuas a impedir a abertura da porta da fracção contaminada, mas a
ideia foi vetada porque podia causar algum constrangimento à interacção do mundo
com a senhora doutora. Mas quais interacção ? A senhora está contaminada senhores.
Eu fui tratar da transferência da zona contaminada cá de casa.
Deixou de ser no hall de entrada e passou a ser no hall das escadas. Quando
chego da rua é na zona contaminada que me livro de roupas e sapatos e procedo à
desinfecção de focinho e patas do animal. Esta transferência devidamente
comunicada no whatsapp do condomínio criou logo um frenesim no vizinho do lado que
achou que a descontaminação deve ser feita no recato de cada lar. Nenhuma
argumentação sobre coisa nenhuma pega com aquele homem que normalmente está
contra qualquer decisão que seja tomada por outros que não ele, pelo que nos
escusámos a explicar que a entrada da nossa casa é colada ao quarto do miúdo que
tem asmas, alergias e dificuldades respiratórias frequentes e que portanto o
melhor seria mesmo ser no lado de fora da nossa porta e que se trata de uma
trela, um casaco e uns sapatos velhos e não de um charriot cheio de cabides com
coronas de vários tamanhos e marcas. Ainda pensei em ter lá umas calças mas ia
ser triste estar de cuecas numa zona comum. Triste e arriscado porque este
vizinho do lado que está sempre contra tudo, também está contra a minha orientação
sexual e eu não quero cá olhos colados no óculo cusco da porta do lado.
Por falar em traseiras, na traseira do prédio um dos miúdos
foi colocar uma barreira física que impedisse o cão da fracção contaminada – vulgo
cãotaminado – de subir as escadas até às fracções adjacentes. Ficou assim criado
um corredor de evacuação até ao quintal da fracção contaminada para o
cãotaminado evacuar, perdoe-se a redundância. Acontece que esse trajecto que o
cão faz é comum ao utilizado por vários animais de outras fracções para aceder
aos respectivos logradouros, pelo que o melhor seria ensinar o cãotaminado a servir-se
em casa evitando assim o gastar de lixívia, vim verde, pronto madeiras escuras,
fairy limão, álcool, champô - anti pulgas e esfoliante da sephora, sempre que procedemos
à desinfecção do dito corredor após cada utilização pelo bicho.
Até que haja novos factos que justifiquem a respectiva reavaliação,
o estado laranja mantém-se. Já pedi à senhora para ligar o exaustor lá de casa e
dar muitos puns para que a fracção fique em constante pressão negativa,
obrigando o ar a sair pela chaminé… raios a chaminé, é preciso tratar dessa
área comum. Vou à sephora comprar mais esfoliante, que se há coisa que a
chaminé consome é esfoliante.
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