Os fins de semana, e por vezes os fins da tarde são dedicados a actividades domésticas. A senhora cá de casa está também em quarentena e não há maneira de se entender com o tele trabalho. O pó acumula-se e o cão parece que está a mudar o pelo todo.
Limpar o pó é chato. Aquilo escolhe lugares estranhos para ajuntamentos sobretudo em locais de difícil acesso. Atrás da televisão, por cima das portadas, nos roda-pés, por cima dos quadros e em tudo o que é friso. O pó é inconveniente como um repórter da cmtv, só que se consegue tratar dele e não trabalha numa empresa que tem um departamento jurídico maior que a redação.
Cá em casa há panos para tudo e produtos para mais coisas ainda. Móveis em madeira, móveis brancos, vidros, electrodomésticos, cozinhas e casas de banho têm panos diferentes e produtos diferentes. Fazer uma divisão, digo assim porque parece mais profissional, é semelhante a ir ao atelier da Joana Vasconcelos quando ela fizer uma nazarena de trapos e embalagens.
Parece-me que tenho umas camisas para engomar e aquele ferro em caldeira parece uma máquina do demo, cada vez que carrego numa tecla acho sempre que o Dom Sebastião vai ser sair dali no meio de tanto vapor. Camisas também não é fácil e estou a tentar criar uma técnica que simplifique o processo. A única que parece resultar até agora é usar t-shirts em vez de camisas, mas eu chego lá.
terça-feira, março 31, 2020
domingo, março 29, 2020
Apocalipse - dia quarto
Diz que o tele trabalho funciona melhor se mantivermos as
rotinas de escritório. Levantar cedo, tomar banho, vestir uma roupa adequada a
qualquer video-conferência que possa surgir o que pode incluir camisa, blaser e
calças de fato de treino, embora pessoalmente opte pela camisa,pullover e calças
de ganga, tomar o pequeno almoço e passear o cão. A menos da ausência do
trajecto casa escritório, a manhã é em tudo muito semelhante a uma manhã de
trabalho até que se aproxima a hora de almoço. Ora eu não tenho por hábito
cozinhar o almoço quando estou no escritório e agora em quarentena as coisas
não são bem assim.
Além do requisito de cozinhar o almoço, esta quarentena tem sido
farta em desejos gastronómicos. Um destes dias fui invadido por uma vontade
súbita de cozido à portuguesa e, entre descobrir que não conseguia via Uber-eats,
encomendar as carnes no talho, e preparar
o cozinhado, levei cinco dias até o conseguir fazer. Além do cozido, já houve
almoços de peixe ao vapor, chocos na grelha e bochechas de porco. Eu que
despachava tantas vezes o almoço com um mc Donalds, um H3 em dias especiais,
uma sandes de presunto e queijo da serra ou um prego. Não é do tempo e do esforço
que falo. É mesmo da gula. É que se o vírus tem uma curva monitorizada, por
aquilo que eu vejo nas redes sociais e pelas pessoionhas que estão comigo a fazer
esta quarentena, a curva da gula atingiu toda a população e não há forma de lhe
inverter a derivada. Devia haver um boletim diário sobre o número de infectados
pela gula, e pela ansiedade, e pela neura também.
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À cautela, a balança cá de casa, está isolada no caixote de
lixo desde o início de março. Não vá ela querer dar algum recado a alguém mais impaciente
e abrir um lenho a alguém que passe na rua quando for arremessada janela fora.
sexta-feira, março 27, 2020
Apocalipse - dia terceiro
Tendencialmente, os passeios do cão e as compras pertencem-me. Cruzo-me com as pessoas que, nas respectivas casas, também ganharam o sorteio de passear os cães e vou a um minimercado de bairro que existe há pelo menos 30 anos muito graças à qualidade do bacalhau que vende. Já sou muito amigo dos donos e dos empregados do minimercado e eles tomam conta do cão à porta enquanto eu faço as compras. No primeiro dia, como quem não quer a coisa, mostrei-lhes dois ou três truques que o cão faz e agora, enquanto eu faço as compras, ouço a Deolinda a explicar à senhora que está na rua à espera da vez para poder entrar, que o Matias é o cão mais esperto que ela conhece:
- garanto-lhe que ele sabe morrer. Ó Matias morre lá. Bang Bang. Juro. Quando o dono lhe diz bang bang ele atira-se para o chão e morre um bocadinho. Palavra de honra.
Por falar em senhora à espera da vez, o que é que fazem tantas senhoras e senhores assim a modos que, como hei-de escrever isto, com idade para terem muito mas muito juízo, sempre a laurear a pevide na rua ? Como se o facto de terem nascido pouco depois da gripe espanhola lhes desse equivalência para este corona. Logo agora, que podem pedir as compras do supermercado e da farmácia, embirraram que haviam de sair de casa e logo todos de uma vez. Parece o Cocoon. O bicho anda aí e infelizmente não é verde florescente, nem do tamanho de um caniche. O bicho é muito pequeno e apanha-os num instante. Saiam da rua senhores, por favor, que é muito perigoso. Usem os serviços que os vizinhos e as juntas de freguesia estão a disponibilizar. A sério.
Tempos estranhos estes. Os anciãos a querer passar o dia na rua, os adultos a querer ir para os empregos e os adolescentes fartos do sofá. Mais uns dias e ainda vamos ver a Joacine a querer abandonar o parlamento. Paradoxos do apocalipse, já se vê.
- garanto-lhe que ele sabe morrer. Ó Matias morre lá. Bang Bang. Juro. Quando o dono lhe diz bang bang ele atira-se para o chão e morre um bocadinho. Palavra de honra.
Por falar em senhora à espera da vez, o que é que fazem tantas senhoras e senhores assim a modos que, como hei-de escrever isto, com idade para terem muito mas muito juízo, sempre a laurear a pevide na rua ? Como se o facto de terem nascido pouco depois da gripe espanhola lhes desse equivalência para este corona. Logo agora, que podem pedir as compras do supermercado e da farmácia, embirraram que haviam de sair de casa e logo todos de uma vez. Parece o Cocoon. O bicho anda aí e infelizmente não é verde florescente, nem do tamanho de um caniche. O bicho é muito pequeno e apanha-os num instante. Saiam da rua senhores, por favor, que é muito perigoso. Usem os serviços que os vizinhos e as juntas de freguesia estão a disponibilizar. A sério.
Tempos estranhos estes. Os anciãos a querer passar o dia na rua, os adultos a querer ir para os empregos e os adolescentes fartos do sofá. Mais uns dias e ainda vamos ver a Joacine a querer abandonar o parlamento. Paradoxos do apocalipse, já se vê.
quinta-feira, março 26, 2020
Apocalipse - dia segundo
A quarentena, não fazendo por mal, obriga-nos a prestar atenção a alguns detalhes que quase nos passavam despercebidos dentro da própria casa, ou nas vizinhanças próximas.
Não fazia ideia que tinha tantos vizinhos e, por incrível que pareça, a maior parte deles interage com bom dia e boa tarde e chegam a sorrir. Até os do 2º esquerdo do nº 27, pasme-se. Parecem uma republica estudantil e até há dois dias atrás tinham uma escala para irem à varanda fumar e comer. Entretanto ou baixaram o nível de alerta para laranja ou enrolaram-se todo uns com os outros que já vai na segunda noite que fazem raves na varanda e na escada todos a menos de um metro uns dos outros e bebem, cantam, conversam e riem. Não me incomoda e até gosto de ouvir a agitação. Se se lembrarem de cantar canções de tuna académica, chamo a polícia e a direcção geral de saúde. Até lá, podem continuar.
Há três rapazes mais ou menos miúdos, mais ou menos adultos, que vivem cá em casa e que também parecem ser muito simpáticos. Até cozinham de quando em vez. Um de forma mais consistente, outro sempre que necessita e o do meio sempre que não consegue convencer ninguém a cozinhar para ele. Além de cozinhar, começam a sorrir e já dão os primeiros passos fora do quarto. Não tarda começam a falar connosco. Parece que estamos a reviver a altura em que eram bebés. Aposto que mais duas semanas e a rainha convence-os a voltar a vestir de igual e lá para o final de Abril ainda voltam aos cueiros e podemos andar com eles ao colo. Estou doido para que digam pai. Ao fim da tarde estão um bocadinho agitados mas nada que umas colheres de atarax não possam resolver.
O cão está cada vez mais profissional e hoje foi o cão que melhor se portou na conference call das 10, ao contrário do cão do responsável técnico do cliente que ladrou durante a reunião toda. Estou muito contente com o desempenho dele e acho que o vou promover de rookie a associate consultant e fazer cartões de visita para ele.
Não fazia ideia que tinha tantos vizinhos e, por incrível que pareça, a maior parte deles interage com bom dia e boa tarde e chegam a sorrir. Até os do 2º esquerdo do nº 27, pasme-se. Parecem uma republica estudantil e até há dois dias atrás tinham uma escala para irem à varanda fumar e comer. Entretanto ou baixaram o nível de alerta para laranja ou enrolaram-se todo uns com os outros que já vai na segunda noite que fazem raves na varanda e na escada todos a menos de um metro uns dos outros e bebem, cantam, conversam e riem. Não me incomoda e até gosto de ouvir a agitação. Se se lembrarem de cantar canções de tuna académica, chamo a polícia e a direcção geral de saúde. Até lá, podem continuar.
Há três rapazes mais ou menos miúdos, mais ou menos adultos, que vivem cá em casa e que também parecem ser muito simpáticos. Até cozinham de quando em vez. Um de forma mais consistente, outro sempre que necessita e o do meio sempre que não consegue convencer ninguém a cozinhar para ele. Além de cozinhar, começam a sorrir e já dão os primeiros passos fora do quarto. Não tarda começam a falar connosco. Parece que estamos a reviver a altura em que eram bebés. Aposto que mais duas semanas e a rainha convence-os a voltar a vestir de igual e lá para o final de Abril ainda voltam aos cueiros e podemos andar com eles ao colo. Estou doido para que digam pai. Ao fim da tarde estão um bocadinho agitados mas nada que umas colheres de atarax não possam resolver.
O cão está cada vez mais profissional e hoje foi o cão que melhor se portou na conference call das 10, ao contrário do cão do responsável técnico do cliente que ladrou durante a reunião toda. Estou muito contente com o desempenho dele e acho que o vou promover de rookie a associate consultant e fazer cartões de visita para ele.
terça-feira, março 24, 2020
Apocalipse – dia primeiro
Está bem que as aulas foram canceladas há quinze dias, que eu já estou em tele trabalho há dez e que o estado de emergência foi declarado há cinco, mas a escrita rege-se por outras métricas e dia primeiro seja.
Estamos os cinco e o cão enfiados em casa e aos poucos e em tempos diferentes vamo-nos habituando a novas rotinas e arranjando estratégias para atenuar, esbater e achatar a muito pessoal curva do desespero.
A coisa prometeu ser animada logo no primeiro domingo de recato doméstico. É que provavelmente íamos ter que ficar em casa e é preciso não descurar a actividade física que é tão importante e vai daí, de repente estou a sair da decathlon com uma geringonça de step ao colo. Percebi logo que dali até ficarmos todos infectados ia ser um instantinho. A geringonça de step tem uns pés deslizantes e uns elásticos e o mais certo é um de nós sair dali em duplo empranchado até à esquina de um móvel, abrir um lenho na cabeça ou partir um ou outro osso e ter que ir às urgências. Daí até fazer parte dos números diariamente divulgados pela DGS ao início da tarde, é um pulinho, já se vê.
Sobre a quarentena em si, o cão é quem parece ter maiores dificuldades de adaptação. Habituado a manhãs e tardes entregues à preguiça e à sesta, há duas semanas a esta parte que está demasiada gente em casa, sobretudo na cozinha e ele não resiste aos barulhos da caixa do pão, da torradeira a saltar, da lata dos biscoitos a abrir e há quinze dias que não prega olho durante o dia. Acresce que de repente toda a gente parece muito interessada em levá-lo à rua. Até bolhas nas patas o desgraçado do bicho apresenta com tanta ida à rua. Além de tudo isto, o bicho está talhado para uma carreira de consultoria. Não falha uma video conferência, normalmente com intervenções mais pertinentes que qualquer dos intervenientes. Também gosta de conference calls, porque pode ladrar à vontade o que é muito agradável para todos os participantes. Os auriculares parecem querer explodir no tímpano quando chega aos latidos mais agudos. É o animal ideal para ter em casa quando estamos em quarentena em regime de teletrabalho.
As faculdades, os ginásios, e as empresas promovem tele cenas para cada um dos cinco, e não há hora em que a casa não esteja a ser transmitida para qualquer sítio. Parece o bigbrother que por acaso não começou derivados do coisovid. Para evitar a existência de horas sem emissão, ainda existem as aplicações houseparty de cada um de nós para promover tele conversas, tele aniversários e tele bezanas sempre que tal se justifique. No sábado, o meu filho mais velho convidou-me para ser o par dele num tele quizz. Que programão, uma coisa de pai e filho, muito comparsas. Só revelou a minha total inabilidade para saber o nome de países com umas bandeiras que eu nunca tinha visto, ou o ramo de actividade da Nokia quando foi criada no século XIX, ou o nome original dos pauzinhos chineses. Está bem que me enganei e chamei crise de 1343-1345 à crise de 1383-1385, mas a partir de certa idade quarenta anos são uma ninharia e a resposta devia ter sido considerada correta. Conclusão, acho que o bochechas não me volta a convidar para um quiz pelo menos até à quarentena do covid-24.
No outro prato da balança, confesso que durante duas horas inteiras, dei bençãos e agradecimentos pelo recato e proibição de ajuntamentos promovidos pelo estado de emergência. Domingo às 19 horas, o virus permitiu cancelar a reunião de condomínio onde seriam abordados temas fraturantes como a coluna de esgotos e as infiltrações, a nova porta da rua e o ferro a imitar alumínio e a divisão em lotes para arrumos da casa da porteira que tem as humidades de Sintra e de São Martinho do Porto num espaço de uns 30 metros quadrados se tanto.
Amanhã tenho uma reunião e ainda não sei se hei-de reunir na cozinha ou se num dos quartos. Depende da escolha dos atletas cá de casa para as aulas de ginástica e para a sessão da geringonça do step. Vou perguntar ao cão onde é que lhe dá mais jeito.
Estamos os cinco e o cão enfiados em casa e aos poucos e em tempos diferentes vamo-nos habituando a novas rotinas e arranjando estratégias para atenuar, esbater e achatar a muito pessoal curva do desespero.
A coisa prometeu ser animada logo no primeiro domingo de recato doméstico. É que provavelmente íamos ter que ficar em casa e é preciso não descurar a actividade física que é tão importante e vai daí, de repente estou a sair da decathlon com uma geringonça de step ao colo. Percebi logo que dali até ficarmos todos infectados ia ser um instantinho. A geringonça de step tem uns pés deslizantes e uns elásticos e o mais certo é um de nós sair dali em duplo empranchado até à esquina de um móvel, abrir um lenho na cabeça ou partir um ou outro osso e ter que ir às urgências. Daí até fazer parte dos números diariamente divulgados pela DGS ao início da tarde, é um pulinho, já se vê.
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As faculdades, os ginásios, e as empresas promovem tele cenas para cada um dos cinco, e não há hora em que a casa não esteja a ser transmitida para qualquer sítio. Parece o bigbrother que por acaso não começou derivados do coisovid. Para evitar a existência de horas sem emissão, ainda existem as aplicações houseparty de cada um de nós para promover tele conversas, tele aniversários e tele bezanas sempre que tal se justifique. No sábado, o meu filho mais velho convidou-me para ser o par dele num tele quizz. Que programão, uma coisa de pai e filho, muito comparsas. Só revelou a minha total inabilidade para saber o nome de países com umas bandeiras que eu nunca tinha visto, ou o ramo de actividade da Nokia quando foi criada no século XIX, ou o nome original dos pauzinhos chineses. Está bem que me enganei e chamei crise de 1343-1345 à crise de 1383-1385, mas a partir de certa idade quarenta anos são uma ninharia e a resposta devia ter sido considerada correta. Conclusão, acho que o bochechas não me volta a convidar para um quiz pelo menos até à quarentena do covid-24.
No outro prato da balança, confesso que durante duas horas inteiras, dei bençãos e agradecimentos pelo recato e proibição de ajuntamentos promovidos pelo estado de emergência. Domingo às 19 horas, o virus permitiu cancelar a reunião de condomínio onde seriam abordados temas fraturantes como a coluna de esgotos e as infiltrações, a nova porta da rua e o ferro a imitar alumínio e a divisão em lotes para arrumos da casa da porteira que tem as humidades de Sintra e de São Martinho do Porto num espaço de uns 30 metros quadrados se tanto.
Amanhã tenho uma reunião e ainda não sei se hei-de reunir na cozinha ou se num dos quartos. Depende da escolha dos atletas cá de casa para as aulas de ginástica e para a sessão da geringonça do step. Vou perguntar ao cão onde é que lhe dá mais jeito.
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