terça-feira, agosto 27, 2013

A segunda queda

Ainda não descrevi a primeira, mas lá iremos. Não existe regra que obrigue ao respeito pela ordem cronológica dos acontecimentos.
No regresso da praia parámos no meio da ria para a criançada dar uns mergulhos. Largámos a âncora e alguém comentou a existência de alguma corrente. Sem qualquer ordem as crianças lançam-se à água em estilos mais ou menos conseguidos. O mais novo também. Não demorou muito até o ouvir gritar "Tiooooo. Trave o barco que eu não consigo apanhá-lo". Meu rico príncipe que achou que a corrente da ria era uma brincadeira do comandante da embarcação.
Ora para dar meia volta e ir buscar o  náufrago envolvia recolher a âncora, ligar o motor, fazer a manobra e proceder ao salvamento. Atirei-me à ria pela segunda vez. Nadei até ao aflito António e por pouco não o esbofeteei porque se agarrou ao meu pescoço como se a vida dele dependesse disso. Mandei-o serenar e combinámos que íamos ficar a boiar e a nadar devagarinho até nos virem buscar. Assim fizemos.
Olhei para a embarcação e ainda a manobra de recolher a âncora decorria. Eis que apareceu um bote de borracha com um senhor de barbas brancas e sunga preta que nos deu boleia até ao barco. Hosana nas alturas. Aquele senhor só podia ser Deus. Nunca o imaginei assim. De sunga preta ainda vá que não vá, afinal Deus não vai para novo e não estranho que esteja preso a modas mais antigas. Agora o bote de borracha com um motor de dois cavalos é que me surpreendeu. Sobretudo porque o filho Dele tem aquela mania irritante de andar sobre as águas sem esquis. E mesmo com esquis, andar em cima das águas é lixado por causa da esteira e da ondulação. Seja como for foi Deus que nos rebocou até à embarcação e para mim, naquele momento, o bote de borracha pareceu-me um iate de luxo vindo directamente do céu. Para o pequeno António também, que aprendeu que o mar tem vontade própria nem sempre coincidente com a nossa. Eu fiquei a saber muito mais sobre Deus e sobre a respectiva indumentária. Na capela Sistina, Miguel Angelo não foi muito justo com Ele. Ainda que de sunga preta, estava com muito melhor aspecto que no tecto da capela. E tinha um bote de borracha caramba. Deus não anda de nuvem, anda de bote de borracha.

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