quarta-feira, agosto 29, 2007

Fim

Foi o corpo que o carregou até a casa. Na sua vontade, nunca ali estaria, antes noutro qualquer local onde pudesse expurgar a dor que sentia. A casa está cheia de armadilhas. Em cada canto, cada cadeira, cada lugar do sofá, cada quarto das crianças, cada moldura, a marca de uma presença que já não é. Aquele é o ponto de partida para reaprender tudo de novo, e no entanto, nada se conjuga com o início de algo. Tudo lhe surge abruptamente amputado de vida, sem remédio, sem sentido, sem vontade. Nem o tempo parece ter a força suficiente para alguma vez lhe acalmar a agonia.
Nunca acreditou no fim. Em cada passo, o chão a esvair-se sem o deixar respirar, de cada vez que se erguia, um outro rombo o deitava por terra. Caramba, um homem deve ter direito a um milagre por vida, e ele estava disposto a gastá-lo naquela altura.
Puta e cruel doença, deve ter-te dado um gozo brutal. O que é que gostaste mais, hem ? Foram as dores com que lhe minaste o corpo ? Foram as três miúdas sem mãe ? Foi a morfina ? A quimioterapia ? Qual foi o teu gozo, cabra de merda ? É o desespero que te alimenta não é ? É o desespero. Há-de chegar o teu dia.
Pedir ajuda é um sinal de inteligência, e ele, que é um homem genericamente inteligente pediu. Não sei o peso que carrega, nem lhe imagino a dimensão, mas eu seguro daquele lado, e outros há que também ajudam. Muitos ao que sei. De alguma forma o peso há-de aliviar, de alguma forma. E o tempo ...
Deixa lá a miúda mandar uns sms’s de desespero, tenho a certeza que ela acaba por as ler.

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