quarta-feira, março 24, 2004

Consultoria
Normalmente falo-lhe dos filhos e digo meia dúzia de coisas sem sentido. Em alternativa, assumo uma espécie de postura de consultor que se dirige ao cliente, e falo-lhe de trabalho. Sinto-lhe simpatia e a certeza que é muito boa pessoa. Chegou para mais uma reunião, como tem acontecido nos últimos tempos. A diferença estava-lhe no rosto, se calhar no andar ou na ausência de vida, mas não reparei em nada que não fosse um rosto que me pareceu alérgico. Alergia à primavera, às resistências do inverno que nos importunam, ao que quer que fosse. Pareceu-me uma alergia, que como as alergias, fazem olhos inflamados e pingam os narizes.
Não era nada uma alergia. Acabava de chegar da missa de corpo presente de uma amiga que se suicidara. Perde o controlo e chora convulsivamente como uma criança. Não sabia o que fazer. Aliás nunca soube tão pouco o que fazer. Ali fiquei , com cara de parvo a olhar para aquela mulher que se desfazia em lágrimas. Apetecia-me dar-lhe um abraço, mas um consultor não abraça um cliente.
Os reforços chegaram em segundos e com eles o abraço de alguém que trabalha muito próximo dela. Ela recompôs-se no que era possível. Eu ainda estou atrapalhado com a situação. Que cretino.