sábado, dezembro 30, 2023

Que se folha ...

Já nem sei bem quando isto aconteceu, até porque a memória é meia parva, mas pronto, aconteceu aqui há uns anos: experimentei Pastéis de Chaves e aquilo, foi amor à primeira dentada. Uma explosão de massa folhada na boca com um recheio de carne picada com a textura e os temperos certos. Tudo isto com uma dimensão generosa que garante a satisfação plena ao fim de três pastéis, quatro pronto. Foi tamanha paixão que enfiei na cabeça que os havia de saber fazer e não passou muito tempo para investigar o processo, as técnicas, as receitas e vários tutoriais sobre massa folhada que seria a maior das dificuldades.

Lembro-me de episódios de massa folhada casa da avó Céu, ou seria da tia Regina, mais uma vez a maldita memória que se me mistura toda. Aquilo envolvia voltas e dobras e voltas e dobras e não podia falhar senão a massa não folheava, e se não folheava o drama era muito maior que o deslaçar de uma maionese. Deve ter sido à conta destas memórias que vi e revi vezes sem conta os tais tutoriais no youtube e nos incontáveis sites dedicados à mui nobre arte da culinária. Aparentemente, não me informei tanto quanto devia. Usei manteiga para as minhas primeiras tentativas e cada uma saía pior que a anterior. 

A ignorância punha-me a cabeça à roda “Enganei-me nas voltas, enganei-me nas quantidades, enganei-me nas dobras, enganei-me nos tempos de descanso, enganei-me a estendê-la”. Isto passou-se durante uns anos com algumas tentativas falhadas de fazer a bendita massa folhada e este ano, quando o resultado já estava em Massa Folhada 12 – André 0, eis que recebo um telefonema do Centro Formação Profissional para o Sector Alimentar a perguntar se confirmava o interesse no workshop de massa folhada em que me tinha inscrito no início da pandemia. Já nem me lembrava (lá está, a memória), que me tinha registado no site para inverter a abada que estava a levar daquela mistura de farinha, sal e água entremeadas com manteiga.

Lá fui eu para o workshop, numa manhã de sábado, entre as 8 e as 13. Fui eu, a senhora Lurdes que tem um restaurante mas que quer investir mais nos doces e salgados que o balcão rende muito mais que as mesas até porque os fregueses não pedem faturas e raros são os que pagam com multibanco e só em impostos é uma poupança que não tem nada a ver, e mais uns tantos beneficiários do subsídio de desemprego que têm que frequentar estes workshops. E logo aos 10 minutos de jogo o mestre pasteleiro avisa “Por causa do curto tempo do workshop vamos fazer massa folhada com margarina especial para massas folhadas e não com manteiga.


A manteiga deixa a massa muito mais saborosa, mas é muito mais difícil de trabalhar porque fica mole muito rapidamente e portanto, depois de cada dobra é preciso enfiá-la no frigorífico ou no congelador”. Ora foda-se, era isso. Eu só enfiava a massa no frigorífico depois de umas 3 dobras e voltas, já a desgraçada da manteiga estava misturada com a massa e aquilo parecia massa tenra, massa de rissóis, massa de pizza, mas nunca massa folhada, que para folhear a manteiga tem que estar em camadas e não pode estar misturada. Tão simples. 

Cinco horas de workshop e saíram folhados de salsicha, travesseiros de Sintra, palmiers, merendas folhadas, folhados com chocolate, parras, delícias folhadas, rolos folhados salgados e cada uma destas coisas mais folhado que a anterior. Aquela porcaria folheava como nunca visto. Bendito workshop, abençoado mestre pasteleiro, que até me entregou um
diploma de participante devidamente certificado e assinado. Um para mim, uma para a Lurdes iniciar uma brilhante carreira de fuga aos impostos e um para cada beneficiário do subsídio de desemprego.

Findo o curso, não me apresso, encomendo na amazon a escova para o excesso de farinha, um rolo de uns 100 metros de papel vegetal siliconizado

que não queremos que nada se pegue, e vou à Makro comprar margarina especial para massas folhadas. Uma semana depois do workshop, eis que fico uma tarde inteira em casa a esticar massa, a fazer dobras e voltas e finalmente reduzo o pesado marcador com um ponto a meu favor: Massa Folhada 12 – André 1.

Só na minha terceira sessão depois de muitos folhados de salsicha, travesseiros de Sintra e palmiers é que me arrisco nos pastéis de chaves. Até se me marejaram os olhos de tão lindos. O recheio estava 
uma merda mas a massa tão bonita, que aquilo é preciso muita técnica, enrolar a massa e cortar às fatias, e molhar as mãos em óleo, fazer um disco rechear com a carne e fechar com um palmada e levar ao forno com a parte menor para baixo e a dobra voltada para a ventoinha. Que lindos.

Findo este ano, o marcador está em Massa Folhada 12 - André 5, já fiz massa com manteiga, e esta semana já dei um workshop sobre a dita a um amigo. Até pasteis de Chaves fiz com massa folhada com manteiga. 

O próximo passo é acertar no recheio dos pastéis de carne da Aloma que era na esquina da minha rua, e que eu comia quase todos os dias aos dois e aos três e eram maravilhosos. Não é que aquela pastelaria se multiplicou e franchisou à conta da fama de uns pastéis de nata aos quais nunca liguei nenhuma e deixaram de fazer os folhados de carne e, pior que tudo, não sabem a receita dos ditos cujos. Malditos. Vou tentar reproduzi-los, mas neste caso, receio que não haja workshop que me possa valer. Talvez a Lurdes do IRC me possa dar umas dicas.  

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