quarta-feira, outubro 02, 2013

O primeiro filho

Nota do Autor: a ideia da escrita que se segue, surgiu a ouvir o “Governo Sombra”. A propósito do panorama de pedir o Segundo Resgate, cenário discutido durante a campanha das autárquicas, Ricardo Araújo Pereira sugeriu que que Portugal esquecesse o segundo resgate e pedisse logo o terceiro. Que saltasse o segundo, já que este segundo parece ser tão controverso. O primeiro resgate chegou depois de um parto difícil, almejado por muitos, indesejado por outros tantos, inevitável disseram quase todos. Como um primeiro filho, alterou os hábitos da imensa família, revolucionou o orçamento familiar e é o Ai Jesus de todos. O primeiro resgate vai ao pediatra cada vez que espirra, só em avaliações ao desempenho já vai na nona, e até o cocó do menino é assunto de debate, o que dá uma trabalheira, porque o primeiro resgate faz uma quantidade de merda invulgar. Desemprego, recessão, doses de carga fiscal e cortes de pensões e de subsídios em SOS, taxas solidárias, educação e saúde bem pagas, leis laborais. Não há memória de um resgate com tanta dificuldade na retenção de sólidos. Não obstante a quantidade de fezes, toda a atenção do mundo paira sobre o menino. Cuidado com a constituição que faz dói-dói ao menino. A constituição é muito má, parece que embirra com ele. Ai que o petiz não aguenta uma crise política. Ele parece estar com défice excessivo, será que apanhou despesas não previstas. Parece que está com a receita inflamada. Não falem mal do menino que a mamã Troika pode ficar ofendida e está lá dentro a avaliar como é que tratamos dele. Será que já podemos ir aos mercados e deixá-lo com a resgate sitter, ou ela ainda é pequenino e não aguenta ? Palavra de honra, não há paciência para a panasquice do primeiro resgate, como não há para as mariquices de primeiro filho. É mais que provável que tenhamos sido assim com o Maria mais velho. Entre fita magnética das cassetes de vídeo e rolos de fotografia, devemos ter gasto suficiente para embrulhar o mundo com um laçarote. Acho que já aqui falei sobre o primeiro gatinhar do mais velho dos Marias. Recapitulando,foi um autentico happening: “Parece que o menino vai gatinhar”. Convoque-se a imprensa, chamem-se as televisões. Pai com máquina fotográfica, mãe com câmara de vídeo, avós, primos e tios em claque organizada com cânticos e festejos emocionados. O menino levanta uma perna balofa, cheia de rufegos, num gesto semelhante ao de um cão a querer marcar território, e as lágrimas, palmas e o coro de palavras de incentivo enchiam a sala. Seguiu-se um debate sobre se os movimentos que o precoce rapaz efectuou, correspondiam ou não ao acto de gatinhar e finalmente registámos no livro de criança a data e hora precisa de tamanho feito com assinatura de todos e se possível com reconhecimento notarial. Dois Marias depois, o cenário era bem diferente. Chegamos a casa com compras e os três Marias. Os dois mais velhos imundos à conta de brincadeiras no jardim. Um vai dar banho aos mais velhos, o outro vai arrumar as compras e o mais pequeno deposita-se em cima da cama dos pais, para não chatear. A meio do banho dos mais velhos, ouve-se um som seco de uma queda, dois segundos de silêncio e uma guincharia a invadir a casa. Um de nós vai ver o que se passa e grita para o outro “Olha o António caiu da cama. Já gatinha”. O outro responde “Parece que é parvo. Não podia começar logo a andar? Sempre nos poupava esta parte das quedas. Magoou-se muito? A Estefânia a esta hora deve estar um horror.” ”Ainda bem que não. Melhor assim” O terceiro resgate é com certeza assim. Despanascado. “Ai a medida é anti-constitucional ? Paciência, a Troika que se vá encher de moscas. Se não quisesse, não emprestasse o dinheiro”. “O Portas está com um surto de demissão irrevogável? Mas afinal o que é que ele agora quer? Ser presidente da JSD? Ele que vá levar … Não é melhor não“ “Ai o défice chegou aos três dígitos? Sempre teve, agora só se livrou da vírgula” “O Cavaco quer um consensozinho quentinho? Consensos não há, pode ser bolo rei?”. Definitivamente concordo com o Governo Sombra. Vamos lá buscar os impressos e preenchê-los para pedir já o terceiro resgate. Assim como assim, já se sabe que os resgates do meio são assim meio ressabiadinhos do efeito sanduiche. Nota Final do Autor: no dia 13 de Setembro este blog fez 10 anos. Obrigado.

2 comentários:

José Aguilar disse...

Boa malha. Parabéns pelos "teus" dez anos.

Rita Quintela disse...

Muito bom, André!