Muito se escreve e muito se diz sobre a questão do aborto e já aqui escrevi pelo menos duas vezes sobre o assunto. Das campanhas e dos argumentos, fica-me a sensação de guerrilha. Na trincheira, cada defensor, parece achar-se o justo e único detentor do bem, da verdade e da razão. O bem de um lado e o mal do outro. Ao sinal de fogo sobre o inimigo, lançam-se argumentos para o lado oposto. E como de uma verdadeira guerra se tratasse, dá-se um pontapé na ténue linha que separa o admissível e o inadmissível.
Sou contra o aborto. Optar por colocar fim a uma promessa de vida ou a uma vida é, na minha humilde opinião, um sinal externo de desespero, de egoísmo, de ignorância, de miséria humana e de estupidez. No contexto desta opção de uma mulher, de um casal ou de uma família, surge um destes factores isolado, ou uma combinação de vários. E se ao egoísmo e à estupidez, pouco há fazer, aos restantes factores há muito onde gastar energias. E se do egoísmo e da estupidez não nos podemos sentir culpados, do desespero, da ignorância e da miséria humana somos os maiores responsáveis. A haver alguém a ser julgado, seremos todos os que dormimos no conforto de acreditar que cada promessa de vida brutalmente interrompida, não tem a nossa assinatura por baixo.
Pior que pouco ou nada fazer a montante da interrupção, é nada fazermos a jusante de cada não interrupção. Assistimos com a confortável distância dos inimputáveis à miséria das crianças abandonadas, maltratadas ou esquecidas até à idade adulta em qualquer instituição. As crianças que vivem a adolescência a sonhar uma mãe e um pai em cada estranho que lhes sorri. Assistimos impávidos, quase serenos, aos casos que nos chegam pelo sensacionalismo mediático, com o mesmo olhar com que vemos um episódio de uma ficção que nos comove. Um guião de fantasia que não nos envolve.
É neste conforto ridículo que se gastam centenas de milhares de euros e centenas de horas a proclamar a defesa do valor da vida. A intenção é boa, mas o erro de paralaxe é grosseiro. Atenuamos a nossa culpa enfiados em t-shirts do banco alimentar contra a fome ou a entregar brinquedos a quem os não tem, sobras de um Natal de excessos quase pornográficos.
Vamos legalizar um crime só porque há quem o pratique? Que raio de local é este que se permite a criar condições para que alguém pense em interromper uma gravidez, e depois se julgue e se condene quem o faz? Estão as nossas mãos assim tão imaculadas? Vamos dar o peixe ou ensinar a pescar ? (Neste caso vamos penalizar a miséria ou vamos criar as condições para que ela não exista ?). Estamos perante Maria Madalena, e o que apregoamos alto e bom som, orgulhosos dos nossos ensinamentos de fé, é: “Apedrejemos a puta.”
Sou pela vida e sou católico, e é também a minha vivência de fé que me faz votar sim. Tenho a convicção que se Jesus Cristo fosse vivo, votava sim. Ele e os seus apóstolos. Bem, pensado melhor, aquele Judas era bem capaz de a troco de algumas moedas …
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