terça-feira, setembro 30, 2003

Chove como nos filmes. As borrachas do meu limpa pára-brisas estão muito doentes, coladinhas à margem inferior do dito pára-brisas e não há quem as tire de lá. Advinha-se um regresso a casa meio turvo. Tou capaz de ir até casa com a janela aberta e cabeça de fora.
Inicio de época
Lá sincronizei. Durante o fim de semana pois claro, apesar de alguma agitação. Os príncipe retomaram a natação após os meses de verão. Quase que me esquecia da animação que é uma ida à natação com a criançada. Tudo começa sexta à noite com a promessa de que só se vai à natação se eles acordarem suficientemente cedo. Que todos tivemos uma semana complicada e que não vale a pena forçarmos a madrugada se o instinto nos manda dormir mais umas horas no Sábado. Pura demagogia, o instinto manda-nos dormir e a choradeira manda-nos acordar. Acordam mesmo naquela hora em que não é suficientemente tarde para nos baldarmos à piscina, nem suficientemente cedo para nos arranjarmos sem pressas, correrias e tropeções.
Os três quartos de hora que se seguem são indiscritíveis. Fraldas, toucas, fatos de banho, chinelos, cartões de acesso. Encontrar cada um destes items envolve sempre uma expedição organizada, e um relatório de averiguação sobre as causas do desaparecimento. Encontram-se os culpados que, à semelhança da realidade nacional, escapam sempre impunes. Dez minutos antes do início da aula, saímos de casa e entramos no elevador. O mais novo começa a fazer uma cara muito esforçada, ganha cores vermelhas e agarra-se aos joelhos. Um cheiro nauseabundo invade os dois metros cúbicos do elevador. Tudo para cima outra vez. Troca de fralda e de roupa, que a matéria ultrapassou os limites impostos por uma fralda mal colocada. Inquérito para apurar o responsável pela má colocação. Culpado encontrado. Culpa que morre solteira. Paz à sua alma.
O carro pega à primeira e lá vamos todos até à piscina.. Um vai com o mais novo para dentro de água, o mais velho já vai sozinho. Eu tenho a depilação sempre feita, nunca estou menstruado pelo que faz todo o sentido que seja eu a ir para a água. As aulas são seguidas para não criar demasiadas facilidades e o mais velho é o último a entrar em cena. Lá me preparo. Fato de banho, touca ridícula e chinelos. Recebo o mais novo embrulhado num robe e ostentando uma touca que tem o dobro do tamanho da cabeça. No caminho entre o balneário e a piscina descubro que me esqueci de cortar as unhas dos pés e começo a achar que todos estão a reparar nisso. Para dentro de água finalmente. A água faz o efeito de lupa e as unhas dos pés parecem rebarbadoras de relva. Ai meu Deus que vergonha. Meia hora com um selvagem ao colo que está convencido que as braçadeiras que usou no verão ainda estão nos braços. Deixo-o cair para lhe fazer ver que não há razão para se libertar dos meus braços. Lá regressa à superfície de olhos esbugalhados. De vez em quando o que ele faz coincide com o que professora manda fazer. Ela tenta exemplificar um exercício e tira-mo do colo. Ele tenta espancá-la e ela devolve-o com um sorriso amarelo e a dizer “Não está muito bem disposto o nosso Manuel”. Para já não é nosso e depois chama-o sempre de Manuel em vez de Manel. Não vou perder tempo a dizer-lhe que prefiro a versão mais curta do nome. Assim como assim, é só meia hora por semana. Para embirrar o corrector ortográfico sublinha a vermelho o Manel e deixa passar o Manuel. Aposto que a professora de natação está por trás disto.
Final da aula do Manel. Regresso ao balneário e troca de criançada. Levo o mais velho para a piscina enquanto a mãe tenta dar duche ao Manel. O raio do miúdo escorrega horrores quando se passa gel pelo o corpo. Estar vestido a dar duche a um bébé escorregadio é uma aventura. Sempre se pode poisá-lo mas ele costuma fugir.
O mais velho fica sozinho na aula e regresso calmamente para o balneário. Estou sozinho e com algum tempo para tomar um duche há muito esperado. A meio do meu duche chegam uns pais agitadíssimos com algo que só me apercebo depois. Um miúdo qualquer resolveu vomitar ou fazer cocó na piscina. Raios, logo no meio do duche. Tenho que ir a correr buscar o maior. Faço figas para que a culpa da azáfama não seja dele. Com a pressa nem reparo que além das unhas compridas, tenho o cabelo cheio de shampô. Paciência. O que interessa é que não foi o João Maria. Regresso aos balneários e começam as perguntas recursivas. Porque é que a aula acabou? E porque é que o menino fez cocó na piscina? E porque é que o pai tem a pilinha à mostra? Merda. Além das unhas e do shampô esqueci-me vestir os calções para o ir buscar. O melhor é anular a matrícula deles porque nesta piscina não volto a pôr os pés. Parece haver um segurança que quer falar comigo sobre o tema “Desrespeito à moral”. Explico o sucedido o melhor que posso. Finalmente lá consigo sair das instalações. Tomar o pequeno almoço no bar da piscina está completamente fora de questão.
Os príncipes não dão qualquer sinal de cansaço e parecem dispostos a actividade intensa durante longas horas. Eu quero chorar e desaparecer durante longos anos. A minha mulher propõe-se a gastar o saldo do telemóvel contando o sucedido a toda a gente.

sexta-feira, setembro 26, 2003

Tenho feito trapalhadas com o tempo. Peguei num bom pedaço do dia seguinte e acrescentei-o ao anterior. Fi-lo com a ajuda de quatro ou cinco cúmplices. Estes truques já não são tão fáceis, e agora ninguém se entende. Até logo ou amanhã à tarde ou ontem têm significados diferentes entre nós o que torna impossível marcar encontros nestes termos. Também me ausentei por aqui depois de alguns desabafos sobre a join venture entre a tabaqueira e uma qualquer agência funerária. A cabeça não tem acompanhado o corpo e raramente se encontram no mesmo lugar. Assim que acordo vejo-a afastar-se, e só regressa quando adormeço. Vou aproveitar o fim de semana para garantir algum sincronismo.

quarta-feira, setembro 24, 2003


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Maços de Cigarros III e IV
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Nas balanças
"A informação fornecida por este objecto pode influenciar a autoestima."


Nos espelhos
"A imagem reflectida por este espelho poderia influenciar a autoestima, se este aviso não o ocupasse na sua quase totalidade."

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Maços de Cigarros II
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Nas embalagens de meias brancas
"O uso de meias brancas provoca situações de exclusão social."

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Maços de Cigarros I
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Nos automóveis
"Os entusiastas da velocidade morrem prematuramente."

terça-feira, setembro 23, 2003

da Parada, Jardim
Lugar de tantas brincadeiras de menino, do meu bairro e de outros paredes meias. No início do Outono, folhas caducas, águas de outro março. Passar dos dias e o chão de calçada ás quadrículas ganha tons entre o castanho e o laranja. A animação do início de aulas, a visita à livraria com uma lista interminável de matérias e materiais, tudo a estrear. A caminho da livraria este jardim e uma brincadeira com o meu pai. Das “Estrelas Brilhantes” até à “Ler” e em cada passo, pisar sempre uma folha de Outono. O varredor da câmara torna o jogo mais difícil. A chuva mais perigoso. O jardim ainda é meninice de muitos, o Outono chega sempre por esta altura. É a estação dos arco-íris e das bruxas a pentearem-se.

segunda-feira, setembro 22, 2003

2 a 0
Inesperadamente poupei-me às emoções do derby. Tudo indica que foi sensato da minha parte. O espaço diminuto força uma proximidade que não se dá bem com variações bruscas de humor. Não é fácil manter a harmonia quando tropeçamos constantemente uns nos outros, o melhor mesmo é não arriscar a má disposição. Um filme longo e generoso, interrompido por compromissos comerciais, resmunguisses de chuchas perdidas e pela máquina de costura a quem só é permitida a entrada em cena depois de estabelecido o recolher obrigatório infantil.
Apesar do calor lá chega um momento de calmia e saboreio a tua cabeça no meu colo, quase quase a adormecer. Um a zero. O fim do filme e o deitar. Não necessáriamente por esta ordem mas pouco importa. Antes de nos entregarmos ao sono, um beijo nos príncipes.
À ternura da mãe, o príncipe maior, convencido de mais um ataque meigo do irmão, e sem se afastar dos sonhos, respondeu “Pára Manelinho”. Sorrimos juntos e deliciados do engano e da genuína paciência com o mais novo que por vezes lhe falta quando acordado. Dois a zero. Acabei a noite com um vitória por dois a zero que me valeu os preciosos três pontos.

sexta-feira, setembro 19, 2003

Preenchi as noites desta semana a fazer um imenso puzzle. Vinha com a embalagem que os livros trazem e com as páginas e linhas e palavras e tudo como os livros. Diz da imensa história de sete músicos. Aos poucos fez-se puzzle, onde as peças são entregues pela ordem quase certa. De quando em vez pertence-me a mim uma peça que encaixa mesmo no espaço vazio deixado por todas as que o rodeiam. Busco-a nas memórias e lá a coloco devagar e sorrio vitorioso do encaixe mais que perfeito. Na manhã seguinte, a caminho dos deveres diários, olho para as peças desta vez em forma de cassete no meu autorádio e relembro o pedaço construído na noite anterior. Ainda consigo descobrir uma nota, ou um instrumento que nunca tinha sentido antes. Há sempre alguém que nos faz falta...

sábado, setembro 13, 2003

O fim de semana está todo por estrear. Genéricamente isso parece-me bem. Nos poucos quilometros que me separam da mulher e dos filhos houve um acidente, dos poucos quilometros que me separam do acidente há milhares de carros. O caminho alternativo não parece muito válido. Ainda no fim de semana passado caiu uma ponte de peões por aqueles lados. Irrita-me chegar a casa e encontrar os principes a dormir. É como chegar à festa apetecida e já não encontrar ninguém. Vou sair antes que isto piore e acabe por encontrar a minha mulher também deitada. Pode ser que o acidente não seja assim tão grave.