segunda-feira, agosto 11, 2025

A mim parece-me prematuro

E assim, quase num repente, eis que resolves, meu príncipe das bochechas, que é uma boa ideia saíres de casa dos pais e ir morar com uns amigos. Assim praticamente sem pré aviso: avisas em março de 2024 que provavelmente em março de 2025 vais sair de casa. Ora um pai, uma mãe, precisam de mais tempo para digerir este tipo de disrupções. Um espaço de tempo mais alinhado com um crédito pessoal, qualquer coisa entre os 60 e os 84 meses. Não é coisa que se anuncie assim de véspera, 12 meses antes da data objetivo, 17 meses antes da data real. Meu príncipe das bochechas, cúmplice de tantas aprendizagens, agora assim num repente, quase abandonas a procrastinação e pões-te de mudanças.

É verdade que eu todos os dias te pergunto se não sentes vergonha de ainda viver com os pais quando pões a chave de casa na fechadura da porta, é verdade que eu refilo de transformares a cozinha num festival de caos e desarrumação, de gastares a eletricidade de uma vila para fazer meio litro de caldo de carne, que me enervo com os dois metros cúbicos de água que usas para aquecer a casa de banho - porque o vapor do duche revela-se muito eficaz para aquecer uma divisão de 2 metros quadrados enquanto vês uma temporada inteira de uma série qualquer sentado na sanita, como se te quisesses  cozinhar em slow cook ou em sous vide antes de entrar no duche, que desespero quando chego ao frigorífico e as  cervejas que eu tinha deixado para o jantar desapareceram, que amuo quando me acusas de mais uma vez ter feito umas gambas anémicas, que fico anémico quando descubro que metade dos ingredientes que eu jurava existirem em casa para fazer o jantar desapareceram durante a confecção de um almoço tardio porque estavam ali mesmo a pedi-las e era mesmo aquilo que precisavas para o teu almoço, que me irrito com o frigorífico, congelador e dispensas povoadas de coisas inúteis e que ocupam metros cúbicos de espaço: geleias disto, molhos daquilo, fermentações daqueloutro, ossos e legumes para os caldos, preparados de sabe Deus o quê, 30 garrafas quase vazias de diferentes molhos de soja, óleos e temperos, é verdade que exaspero quando metade destes preparados ganham camadas de bolor porque ficaram escondidos por outras coisas que eu coloquei à frente das respetivas caixas dentro do frigorífico e longe da vista longe do coração e varreu-se-te e nunca mais te lembraste daquilo que agora é um cogumelo gigante de bolor. 

Ainda assim, com todas estas verdades, não há direito que saias assim num impulso de emancipação prematura aos 26 anos. Nenhum pai está preparado para isto bochechas. Ainda há poucos dias eu ia contigo à piscina para saberes sobre nadar aos 6 meses, eu antes de ontem ensinei-te a andar de patins e de bicicleta e jogar street hockey, e levei-te ao colo para as ondas para distinguirmos quais eram para furar e quais eram para navegar, eu ensinei-te um pouco sobre cozinhar, eu levei-te aos karts pela primeira vez e ensinei-te a conduzir, eu quase passei com uma embarcação por cima de ti e  ainda este fim de semana eu fui abraçar a Chef Noélia e agradecer o carinho com que te tratou no masterchef e ela confirmou “Têm ali um menino de ouro”, tudo isto se passou nestes últimos dias. Bem sei que parecem décadas, mas foram dias, poucos, meia dúzia deles quanto muito.

A tua mãe está como eu, equidistante entre o inconsolável e o enervada. Inconsolável do ninho mais vazio e enervada pela demora de tirares tudo de casa para a casa para onde vais viver com esses tais de amigos (que Deus os abençoes com a graça da infinita paciência indispensável para alguns detalhes da convivência). Sabes que existe uma escola de pensamento dominante, que defende que uma mudança de casa demora entre um a dois dias, três no máximo. Sim é preciso empacotar tudo antes e deitar fora todo um património, mas depois é pegar nas coisas e mudar. O que demora duas ou três semanas são as férias, ou uma viagem ao oriente, ou a emissão de algumas certidões, ou a entrega de encomendas de produtos esgotados. Tirar as coisas do quarto, do frigorífico, do congelador, da dispensa, da gaveta dos tupperwares e do armário de equipamentos de cozinha e transportar para uma casa que fica a menos de um quilómetro, demora um dia. Dois no máximo. É que isto de ver sair um filho de casa em câmara lenta é penoso, acho que a convenção de Genebra chegou a considerar um ato de tortura. Pega lá na tua trouxa e despacha-te que o teu irmão mais novo, vulgo Sirenes, está doido para a ocupação do teu quarto. Não que ele seja um okupa, mas sabes bem que o quarto dele não é fácil e se há alguém com pressa de mudanças, é ele.

Falta dizer-te que há coisas que não podes levar, mesmo que as consideres tuas. O meu rolo da massa em alumínio, o meu afiador de facas, a minha espátula de pasteleiro, a máquina delonghi de café e o azeite picante que o senhor do restaurante italiano me ofereceu, são para ficar. Acho que ainda tens massa folhada congelada no congelador da tua fase de pastéis de nata. Podes levar a chave desta casa para uma qualquer emergência ou saudades, sendo que rutura de stock de cerveja não é nem emergência nem saudades. Já sabes que todas as semanas, na pior das hipóteses quinzenalmente, tem de haver um jantar de família lá em casa por tradição e por amor. Se não cumprires esta cláusula, eu vou a tua casa entregar a mãe e o desconsolo e entendes-te com ela. Por ora, as assinaturas da Netflix, da Disney Plus, do Spotify e da Vodafone estão disponíveis. É isto portanto. Vai lá viver com os teus amiguinhos, pode ser que eles te devolvam depressa. Armado em independente, onde já se viu. Amo-te mais que te odeio. Vai voar bochechas, meu amor, e continua a ser o menino feliz das bochechas imensas.

terça-feira, janeiro 21, 2025

Obrigado eu, Mãe

 
A última coisa que me disseste, ainda neste domingo, foi “Obrigada” e vai-se a ver quem tanto tem para agradecer sou eu.

Agradeço-te a vida, o orgulho infinito e o amor pelos teus filhos, o exemplo de amor entre ti e o pai, dos pequenos almoços em Tibaldinho em que lhe lias textos e como tu sabes sobre bem ler, agradeço-te a escrita e que abada tu me dás no bem escrever, agradeço-te as gargalhadas, as teimosias, o mau feitio, agradeço-te as explicações de francês na cozinha, e as duas latas de espargos que me fizeste engolir quando todos acharam que eu tinha engolido um pedaço de vidro e a Levy disse que a única salvação era dar-me os malditos espargos. Agradeço-te o amor pela Ana que recebeste como filha, o amor aos teus netos sempre atento sempre preocupado sempre alegre sempre intenso como é o amor das avós. Agradeço-te a falta de jeito na cozinha que me ajudou na culinária e a sabedoria da avó Alice que sempre recordavas “Mãe preguiçosa faz filha habilidosa”. Agradeço-te os amigos todos que nos enchiam a casa, os Natais com ceias absurdas e estranhos à mesa porque não terem com quem cear, e as regras que tentavas ensinar-me e que eu insistia em contrariar  “O homem ir do lado de fora do passeio? Se calha a cair um piano de uma varanda, quem leva com o piano em cima é a senhora”. Agradeço-te as pegas feitas em linha e que estão para durar na minha cozinha e dos meus amigos, agradeço-te até aquelas frases que sempre me deixaram meio em pânico: a primeira que me lembro “Quando o pai chegar em casa logo falamos” e a última que me lembro “André, o computador não acende”. Agradeço-te teres escolhido a mesma data que a Elis Regina escolheu para partir, parece que 19 de Janeiro é dia de partida de mulheres que partem para ficar

Agora deves estar com o pai a pôr a escrita em dia, dá-lhe um enorme beijo meu e dá-lhe este recado que tantas vezes dizias sobre os outros “A mãe é uma valente”

Obrigado Mãe