Palavra de honra se não foram as malditas passas da passagem de ano para 2022. Nunca as devia ter substituído por amendoins nas 12 badaladas que antecederam o primeiro dos minutos deste maldito ano.
Se sua majestade Elizabeth chamou a 1992 um Annus Horribilis, trinta anos depois, eu posso chamar 2022 de Annus Fodidilis. Mesmo sem divórcios, funerais e incêndios 2022 teve uma sucessão de eventos que me permitem a tal da designação.
Até ao final de Fevereiro tudo parecia normal, mas eis que o Maria do meio, o meu loiro dos caracóis, resolve sair à noite com dois amigos, os três são assaltados, palavra puxa palavra com os três assaltantes, como é que vão para casa sem telemóveis e carteiras, ah vamos de carro, ai espera lá que temos carro, vamos é dar umas voltas e pumba sequestram o meu loiro e um dos amigos e libertam outro para que, entre assaltantes e assaltados, não se exceda a capacidade máxima de passageiros da viatura porque violar o código da estrada está completamente fora de questão. Pais e polícia avisados, matrícula do carro divulgada, e logo nesse fim de semana que não estávamos em Lisboa, regressamos à capital às 2 da manhã, coração nas mãos só com a notícia “o seu filho está algures em Lisboa com um amigo e três assaltantes no carro dele” …. Bem em resumo, passadas duas horas a polícia intercepta a viatura, salva os bons e prende os maus e nossa senhora das uvas secas me proteja e guarde, tudo acabou em bem após horas e horas de depoimentos na esquadra. Abençoadinha polícia que nos aliviou da pior das agonias alguma vez sentida.
Ora então, desde 2019 que não havia uma ida à neve e o mais velho, coisa mais linda, meu príncipe das bochechas marca uma ida à neve com os amigos e não é que resolve convidar-me. A mim e ao pai de outro amigo. Ahhh, há tanto tempo que não vou à neve, maldita pandemia que interrompeu esses planos duas vezes, finalmente uma semana em Andorra. Cinco dias de esqui, que para mim se transformaram em dois. Maldita lomba naquele carreirinho fora de pista a caminho dos apartamentos salta o primeiro montinho, enterra os esquis no segundo, corpo projetado para a frente, botas saem dos esquis como é suposto, cabeça enterra-se na neve e o ombro ou leva com uma rocha ou com um dos batons que a clavícula partiu e os restantes dias foram passados com imobilização do membro superior esquerdo e descanso e a camada de nervos de ver todos os outros a saírem para as pistas.
Podia ter sido pior e ter ficado entrevadinho, mas assim se tivesse sido, não teria oportunidade de levar todas as noites os meus cãezinhos ao quintal das traseiras para o último xixi antes do ó-ó . Normalmente com trela, mas naquele dia já passava da meia noite e os vizinhos com certeza já tinham a porta da cozinha fechada. Não tinham. A maldita cadela salta para dentro da cozinha dos vizinhos, porque a comida do cão deles está mesmo ali ao pé da chaminé, e desata a comer a comida do bicho que é larilas em homenagem aos donos, que já nos têm uns anticorpos desde os ares condicionados e vai dai que o vizinho com os nervos se precipita para a minha cadela e afasta-a ao pontapé e eu ali mesmo ao lado quase a conseguir puxar a cadela, mas não fui a tempo e ela ferrou-lhe uma dentada na perna. Discussões, insultos, empurrões e ameaças a mim e à rainha, e eis que é chamada a polícia. Infelizmente não eram os mesmos senhores guardas que salvaram o loiro e passados dois dias estava eu na autoridade veterinária do município de Lisboa para início de processo de sequestro da cadela e de classificação como cão perigoso. Porque as vacinas estavam em dia, este sequestro é em casa e foi possível documentar que a mordidela foi uma reação mais que uma ação o que também ajudou a regredir a classificação e voltou a ser um animal de companhia em vez de uma Pitbeagle ou uma Rotbeagle. Muita ida à veterinária, à autoridade veterinária, à polícia e aos serviços municipais, mas o diabo de orelhas compridas recuperou o seu estatuto de cão de companhia.
Posto isto eis que os santos populares chegam com uns feriados mesmo a jeito para fim de semana com amigos nas termas de Monfortinho. Dois anos a conseguir escapar ao bicho e eis que na véspera da partida, o covid descobriu-me e lá se foi o fim de semana em Monfortinho. Nada de desânimos que o fim de semana seguinte dá para ir a São Martinho e finalmente passar uns dias fora, sem sequestros, sem clavículas partidas, sem covid. Ahhh que bem que iam saber esses dias não fosse o AVC da minha mãe no segundo dia e mais um regresso antecipado e mais uma lufa lufa com médicos, hospitais, cuidadoras em casa, mas a coisa até podia ter sido pior e teve sequelas ligeiras perfeitamente recuperáveis. E assim tem sido, com um acompanhamento 24/7 assegurado e muitas peripécias.
Lá conseguimos ter as mais que merecidas férias em Setembro, mesmo com o outono a querer antecipar-se e a dar um ar da sua graça na segunda semana. Depois de tudo o que aconteceu não são cinco dias de chuva que me vão fazer lamuriar.
Verdade seja dita desde essa altura que tudo parece estar relativamente tranquilo e é melhor nem escrever mais para não chamar maus agoiros. Para compensar tudo o que se passou, o mais novo dobrou o cabo da maioridade e entrou para a faculdade e o mais velho, príncipe das bochechas é um dos 15 concorrentes do Masterchef. Sim está insuportável na cozinha, mas nós estamos em modo Dolores Aveiro tão babados com o masterfilho. Claro que tenho que cozinhar às escondidas dele porque o ponto de cozedura, porque para ficar crocante, porque não pode sair do frigorífico diretamente para o forno, porque não descansou, porque é para reservar … mas pronto, é um preço justo a pagar dos litros de baba que produzimos a cada sábado à noite quando o vemos na televisão armado em chef.
Ainda assim, pelo sim pelo não, nos últimos segundos deste ano, esses mesmo que antecedem 2023 vou comer 12 passas mesmo que não goste e mesmo que tenham o tamanho de bolas de golfe como tinham as do ano passado.
Malditas passas, nunca mais as troco por amendoins.