Eis que, depois de um período mais ou menos longo com mais ou
menos restrições intercaladas com alguns graus de liberdade, regressámos aos tempos
de confinamento. A pausa na escrita não está relacionada com qualquer fim de
confinamento, antes com o facto de, no início de Maio, ter chegado cá a casa a
pior das decisões do confinamento. Já éramos poucos numa casa pequena, que
resolvemos que os tempos de pandemia eram o ideais para integrar uma figura
feminina na família. Podia ser uma tartaruga, ou uma galinha, ou uma iguana,
mas não. A inteligente opção foi por uma cadela da mesma raça do cão que já por
cá andava e ele é tão sossegado e precisa de companhia até porque estávamos
todos enfiados em casa e o cão se sentia, com certeza, tão abandonado rodeado e
mimado por nós os cinco.
O raio da cadela é o diabo com as orelhas compridas. Já está
no nono mês de permanência cá em casa e só faz merda. Fazer cocó (que também
faz) é uma necessidade fisiológica, mas fazer merda é um estilo de vida, uma
escolha. Rói mobiliário, faz escalada e passeios sobre a mesa da casa de jantar
e a bancada da cozinha, provoca o desgraçado do cão até ao limite da paciência,
come papel higiénico que em tempos de confinamento deve ser considerado crime, velas, coleções de vinil e de banda desenhada, mata as ovelhas do presépio
– aquilo parecia a herdade da Torre Bela com as ovelhas todas abatidas e, pior
que tudo, é adorável o que inviabiliza a opção do empalhamento.
Com a graça de Deus e do sr Ministro da Educação, neste
confinamento, os estabelecimentos de ensino mantêm-se abertos o que mantém fora
de casa, durante algumas horas, aqueles três adolescentes e jovens adultos
simpáticos que coabitam connosco. Pena é que o diabo de orelhas compridas não
frequente o ensino básico em regime de internato que sempre nos aliviava as
camadas de nervos e as correrias de esfregona para as pequenas poças de xixi
que, cada vez com menor frequência – diga-se, o monstro vai espalhando pela casa.
Só peço, nas minhas orações, que este confinamento não nos
traga a insanidade do anterior porque senão corremos o risco de chegar a Fevereiro
com uma cabra, uma vaca ou uma búfala dentro de casa. Sempre dava para fazer manteiga
e queijo e poupava na quantidade absurda de litros de leite que os estudantes semi
confinados e o adulto confinado consome.