O jantar de ontem foi marcado a contas com o nervoso
miudinho. O óbvio nervoso de quem vê os filhos à entrada da estreita porta para
novos vôos. Cabeça e coração feitos loucos, porque isto de ser pai é tanta
coisa e que de poetas e loucos todos temos um pouco. É que ainda ontem choravam
com fome ou com cólicas ou com o que quer que fosse, é que as médias de entrada
são altas, é que mal sabem andar, e os exames até trouxeram boas notas, e eles entraram
na cresce hoje não foi?, e estudaram tanto estes miúdos, mal chegam às
carteiras da primária, são tantos para os mesmos cursos, é que ainda agora … Os
pais são assim. Estúpidos, nervosos, preocupados, babados, ansiosos, fanáticos.
Vocês fazem-nos assim, nós fizemos-vos assim.
E eis que o calendário do ministério nos troca as voltas, e
na véspera do jantar de dois pares de pais, saem os resultados. Telefonemas
para cá, mensagens para lá, perguntas, mails, consultas a sites. “No meu tempo
era uma interminável listagem nos vidros da reitoria”. Risos. Entraram. Entraram. Entraram. O jantar
da espera dos resultados, fez-se jantar de festejo. Pela Constança da Catarina
e do João. Pelo João Maria da Ana e do André.
Ontem festejámos com eles de sorrisos escancarados. Ontem,
só por magia, só por um jantar, ela já era médica e ele já era engenheiro.
Ontem, só por um instante ela acorda todos os dias com a vontade de salvar
vidas e caramba, se ela sabe da importância de uma vida salva, minha querida
Constança. Ontem, só por um sonho ele acorda todos os dias com a vontade de
fazer um mundo mais feliz e caramba, se há homem feliz nas nossas vidas, meu
querido João. Ontem brindámos com copos cheios de orgulho e abraçámo-los como
se cada um deles fosse o Éder a marcar à França. Ontem fomos recriminados por
eles pela hipérbole dos festejos, como crianças mal comportadas. Ontem fomos
metade poetas metade loucos e felizes.
Felizes por inteiro.