Já nem sei bem quando isto aconteceu, até porque a memória é meia parva, mas pronto, aconteceu aqui há uns anos: experimentei Pastéis de Chaves e aquilo, foi amor à primeira dentada. Uma explosão de massa folhada na boca com um recheio de carne picada com a textura e os temperos certos. Tudo isto com uma dimensão generosa que garante a satisfação plena ao fim de três pastéis, quatro pronto. Foi tamanha paixão que enfiei na cabeça que os havia de saber fazer e não passou muito tempo para investigar o processo, as técnicas, as receitas e vários tutoriais sobre massa folhada que seria a maior das dificuldades.
Lembro-me de episódios de massa folhada casa da avó Céu, ou seria da tia Regina, mais uma vez a maldita memória que se me mistura toda. Aquilo envolvia voltas e dobras e voltas e dobras e não podia falhar senão a massa não folheava, e se não folheava o drama era muito maior que o deslaçar de uma maionese. Deve ter sido à conta destas memórias que vi e revi vezes sem conta os tais tutoriais no youtube e nos incontáveis sites dedicados à mui nobre arte da culinária. Aparentemente, não me informei tanto quanto devia. Usei manteiga para as minhas primeiras tentativas e cada uma saía pior que a anterior.
A ignorância punha-me a cabeça à
roda “Enganei-me nas voltas, enganei-me nas quantidades, enganei-me nas dobras,
enganei-me nos tempos de descanso, enganei-me a estendê-la”. Isto passou-se durante
uns anos com algumas tentativas falhadas de fazer a bendita massa folhada e
este ano, quando o resultado já estava em Massa Folhada 12 – André 0, eis que recebo
um telefonema do Centro Formação Profissional para o Sector Alimentar a perguntar
se confirmava o interesse no workshop de massa folhada em que me tinha inscrito
no início da pandemia. Já nem me lembrava (lá está, a memória), que me tinha
registado no site para inverter a abada que estava a levar daquela mistura de farinha,
sal e água entremeadas com manteiga.
Lá fui eu para o workshop, numa manhã de sábado, entre as 8 e as 13. Fui eu, a senhora Lurdes que tem um restaurante mas que quer investir mais nos doces e salgados que o balcão rende muito mais que as mesas até porque os fregueses não pedem faturas e raros são os que pagam com multibanco e só em impostos é uma poupança que não tem nada a ver, e mais uns tantos beneficiários do subsídio de desemprego que têm que frequentar estes workshops. E logo aos 10 minutos de jogo o mestre pasteleiro avisa “Por causa do curto tempo do workshop vamos fazer massa folhada com margarina especial para massas folhadas e não com manteiga.
A manteiga deixa a
massa muito mais saborosa, mas é muito mais difícil de trabalhar porque fica
mole muito rapidamente e portanto, depois de cada dobra é preciso enfiá-la no
frigorífico ou no congelador”. Ora foda-se, era isso. Eu só enfiava a massa no
frigorífico depois de umas 3 dobras e voltas, já a desgraçada da manteiga
estava misturada com a massa e aquilo parecia massa tenra, massa de rissóis,
massa de pizza, mas nunca massa folhada, que para folhear a manteiga tem que
estar em camadas e não pode estar misturada. Tão simples.
diploma de participante devidamente certificado e assinado. Um para mim, uma para a Lurdes iniciar uma brilhante carreira de fuga aos impostos e um para cada beneficiário do subsídio de desemprego.Findo o curso, não me apresso, encomendo na amazon a escova para o excesso de farinha, um rolo de uns 100 metros de papel vegetal siliconizadoque não queremos que nada se pegue, e vou à Makro comprar margarina especial para massas folhadas. Uma semana depois do workshop, eis que fico uma tarde inteira em casa a esticar massa, a fazer dobras e voltas e finalmente reduzo o pesado marcador com um ponto a meu favor: Massa Folhada 12 – André 1. Só na minha terceira sessão depois de muitos folhados de salsicha, travesseiros de Sintra e palmiers é que me arrisco nos pastéis de chaves. Até se me marejaram os olhos de tão lindos. O recheio estava